Ricardo Almeida


Um fenômeno que desperta atenção da ciência


O Brasil é um país que possui extrema beleza natural e, embora grande parte dos brasileiros não consegue conhecer seu próprio país, essa característica ambiental é reconhecida pelo mundo inteiro. Contudo, há muitas distorções na visão que se tem do Brasil no exterior. Um estudo realizado por Daniel Buarque, em 2019, mostrou que o Brasil não é visto no mundo como um país sério e que existe uma defasagem das imagens do país, associada a estereótipos apenas de lazer e diversão. 

O mesmo autor relacionou algumas percepções sobre a imagem do Brasil, resultantes de pesquisas realizadas no exterior. Nas avaliações, prevaleceu a ideia de que o Brasil é sinônimo de: férias; exotismo; beleza natural, variedade de atrações, feriados e pontos históricos de interesse; mulheres e homens bonitos; futebol, carnaval e samba; clima maravilhoso; um país carismático, divertido, bem humorado e apaixonado; um lugar em que ninguém trabalha; uma nação de economia pobre e com desigualdades; um país com níveis baixos de educação e de segurança; um país com escândalos e corrupção; um país que poderia contribuir muito mais para o mundo, ser mais aberto e ter mais cooperação internacional; um país que enfrenta sérias questões sobre governança e meio ambiente. 



Embora muitas dessas percepções se confirmam, quem realmente conhece o Brasil sabe que além da beleza natural, da diversão e até mesmo da veia corruptiva herdada historicamente, o País exerce influência em vários outros segmentos: na Ciência, na criatividade, na diversidade cultural, na agricultura, entre outros. Afinal, você consegue imaginar o Brasil sem a energia contagiante e acolhedora do seu povo? Sem a capacidade de se reinventar perante o caos social e econômico? Sem seus rios, praias e florestas? Esse não seria o nosso Brasil. 

Se é válida a expressão: “quanto mais conhecemos, mais amamos”, pode-se dizer que só quem conhece o Brasil na sua essência consegue enxergá-lo para além de suas festas e diversão. Do contrário, se não compreendemos nosso próprio potencial enquanto nação e não lutamos contra as mazelas que insistem em nos afrontar dia após dia, como poderemos defendê-lo diante de tantos julgamentos vindos de fora? 



Nessa perspectiva, conhecer nossas origens, riquezas e desafios ajuda-nos a enfrentar os problemas sem vitimização. Trilhar esse autoconhecimento talvez seja uma escolha promissora para transformar essa imagem superficial do Brasil e refletir nossa verdadeira identidade. Não é um caminho fácil, mas é democrático, uma vez que podemos escolher um trajeto que nos leve a conquistar espaço de voz junto a outras nações que seguiram nesta direção.” 

E, se é verdade que moramos “num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, em grande parte devemos isto a nossa majestosa floresta tropical. Sem ela, praticamente todo o país teria um clima semiárido, com chuvas escassas, raramente mais intensas, mas associadas a temporais. Teríamos um cenário regado de problemas socioambientais e econômicos, mais graves do que são atualmente. 

Dando enfoque a algo que nos representa bem, falaremos aqui sobre um evento que atinge nosso meio ambiente. Trata-se de um fenômeno natural que, literalmente, passa sobre nossas cabeças e reflete a força que a nossa floresta exerce no controle do regime climático. Aliás, você sabia que no decorrer do ano um rio percorre os céus do Brasil? É isso mesmo, um fenômeno metaforicamente nominado de rios voadores. De acordo com Ricardo Zorzetto (Pesquisa Fapesp), em alguns dias do ano um rio com as dimensões do Amazonas atravessa os céus do Brasil e, apesar de sua extensão, ninguém o vê.

Especialistas explicam que os rios voadores são volumes de vapor de água que vêm do oceano Atlântico (próximo à linha do Equador) e, ao passarem sobre a maior floresta tropical do planeta, a umidade cai como chuva sobre a floresta e, pela ação da evapotranspiração das árvores, ela devolve a água da chuva para a atmosfera na forma de vapor de água. Desse modo, a umidade do ar ganha corpo e segue seu trajeto (a 15 quilômetros acima do solo) até a cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas do mundo em comprimento. 

Esse grande volume de vapor de água (com cerca de 3 mil metros de altura, algumas centenas de quilômetros de largura e milhares de extensão) é desviado pela cordilheira e flutua sobre a Bolívia, o Paraguai e alguns estados brasileiros, tais como: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e, às vezes, alcançando os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, antes de retornar para o oceano. 



Tecnicamente, os rios voadores são chamados de “jatos de baixos níveis”. Um estudo sobre esse fenômeno mostrou que no período de 24 horas a água carregada pela corrente de ar equivale a 115 dias de consumo de água da cidade de São Paulo, que possui mais de 12 milhões de habitantes. Por incrível que pareça, a quantidade de vapor de água oriunda das árvores da floresta amazônica pode ser equiparada à vazão do rio Amazonas (aproximadamente 200.000 metros cúbicos por segundo). Estima-se que os rios voadores passam sobre a Amazônia cerca de 35 dias por ano. 

A força da natureza é tão grande e acontece de forma tão curiosa que chega a nos causar espanto. De acordo com estudos do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), uma árvore com copa de 10 metros de diâmetro é capaz de bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água em forma de vapor em um único dia, enquanto uma árvore com copa de 20 metros pode evaporar mais de 1.000 litros de água por dia. O pesquisador Antônio Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), também relatou a incrível função que as árvores cumprem, após participar de uma pesquisa dedicada a medir a evaporação da floresta em milímetros (como se fosse medida a espessura de uma folha de água acumulada no chão). 

Os resultados dessa pesquisa apontaram que, no caso da Amazônia, cada metro quadrado de floresta produz quatro litros de água. Os pesquisadores fizeram as contas e concluíram que, se a área ocupada por floresta nativa equivale a 5,5 milhões de quilômetros quadrados e há uma estimativa de que existem mais de 400 bilhões de árvores de variados tamanhos, então são produzidas 20 bilhões de toneladas (ou 20 bilhões de litros) de água todos os dias pelas árvores da Bacia Amazônica.



Todavia, há uma grande preocupação por parte dos especialistas em rios voadores quanto às consequências do desmatamento na Amazônia. Sem a floresta, os rios voadores vindos do oceano podem chegar mais rápido no continente (em dois ou três dias) e aumentar o risco de tempestades severas no sul do país. Segundo os cientistas, a retirada da floresta diminuiria em 15% a 30% as chuvas na Amazônia, reduzindo o volume de chuvas e aumentando os eventos climáticos extremos. Enfatizam também que o Brasil tem uma posição privilegiada no tocante aos recursos hídricos. No entanto, com a ameaça de alteração dos regimes de chuva no planeta, derivada do aquecimento global e das mudanças climáticas, é hora de observar melhor os serviços ambientais prestados pela floresta amazônica antes que seja tarde demais. 

Enquanto outras nações convivem com fenômenos naturais de grande impacto negativo, a exemplo de furacões, tsunamis, vulcões ativos, terremotos, nevascas severas, entre outros, o Brasil convive com esse fenômeno fantástico que são rios voadores. Mas não se engane, pois ao considerar que toda ação gera uma reação, cabe a nós, brasileiros, agirmos para que esse fenômeno não se qualifique como uma catástrofe periódica. O jogo vira quando cantamos vitória antes do tempo e deixamos de empenhar esforços para manter equilíbrio entre preservação e avanços. 


Para saber mais sobre os rios voadores: Embrapa, Pesquisa FAPESP e Projeto Rios Voadores.


Ricardo Almeida

Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre em Inovação Tecnológica. Especialista em Gestão de Pessoas e Negociação Coletiva. Atua nas áreas de Desenvolvimento Humano e Educação Ambiental. 


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