Ricardo Almeida

Elos na linha do tempo


Por vezes a solução para os problemas socioambientais é encontrada nos hábitos do passado. Embora isso possa soar certo saudosismo, o fato é que muitas coisas funcionavam bem, porém em um ritmo diferente daquele praticado nos dias de hoje. Não se trata de querer voltar ao passado ignorando os avanços até então conquistados, a reflexão aqui consiste em percebermos que há movimentos cíclicos nesse cenário, os quais não estão desassociados entre si no tempo. Significa dizer que o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da própria sociedade focaliza perspectivas para o futuro, mas é construído a partir da conexão entre situações do presente e fatos do passado. Se tecermos um paralelo sobre os hábitos praticados pelas pessoas em épocas anteriores com alguns outros predominantes nos dias atuais, notaremos que a solução para muitos desafios socioambientais encontra fundamento na forma como as coisas eram realizadas no passado. Para exemplificarmos esse movimento e observarmos os elos na linha do tempo, pontuamos algumas transformações que aconteceram nos modos de vida.

Inicialmente, podemos observar que em épocas anteriores menos carros circulavam pelas ruas, uma vez que a produção de automóveis era em menor escala e poucas pessoas tinham poder aquisitivo para adquiri-los. Com o passar do tempo, esse cenário mudou e, mais tarde, já era possível perceber um número maior de veículos circulando nas cidades. É certo que tal evolução, percebida tanto na economia como no comportamento da população, trouxe maior conforto e agilidade na mobilidade urbana, mas também trouxe alguns impactos na saúde das pessoas, que passaram a andar menos para fazer as tarefas do dia a dia e a respirar um ar mais poluído. Sobre isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 600 mil crianças tenham morrido de infecções respiratórias agudas causadas pela poluição do ar em 2016. Em um pedido por políticas concretas de governos para enfrentar o problema, a agência de saúde das Nações Unidas afirmou que nove em cada dez crianças respiram ar tão poluído que além de prejudicar sua saúde, coloca seu desenvolvimento em sério risco.



A conexão entre o novo e o velho modo de vida surge na combinação de avanços e retrocessos para encontrar determinado equilíbrio. De um lado, torna-se necessário que a população mude seus hábitos em prol da própria saúde, principalmente aqueles voltados para a prática regular de atividades físicas, a exemplo do hábito de caminhar mais e andar de bicicleta, como era costume quando as pessoas andavam menos de carro. De outro lado, a ciência busca formas de proporcionar mais sustentabilidade e inovação na indústria automobilística, assim como mecanismos capazes de acelerar a transição para tecnologias mais limpas, de impulsionar a construção de residências energeticamente mais eficientes e de melhorar o planejamento urbano.



A modernidade também alterou os hábitos alimentares, que sofreram forte aceleração de ritmo priorizando a agilidade e a sensação de prazer imediato em detrimento de uma alimentação mais saudável, antes exercida dentro de uma rotina compreendida como um momento sagrado para a maioria das pessoas. A velocidade tomou espaço do encontro calmo ao redor da mesa e a produção alimentícia ganhou escala ajudando a substituir a prática do preparo da comida em casa, que para muitos é vista hoje como perda de tempo e trabalho desnecessário.

Esse movimento tornou-se tema bastante discutido no campo científico. Mas, por outro lado, trouxe algumas preocupações com diferentes abordagens nas áreas da saúde, educação, meio ambiente, entre outras. Os novos comportamentos alimentares influenciaram as formas de cultivo, comércio e consumo no mundo inteiro, abrindo portas para o campo da tecnologia e do empreendedorismo. Por outro lado, trouxe algumas preocupações importantes sobre o estilo de vida adotado pelas pessoas e a sua relação com os alimentos, alertando para a necessidade de uma reeducação alimentar, que implica em desacelerar o ritmo, aguçar os sentidos durante as refeições e resgatar o prazer de preparar o próprio alimento.



Nesse contexto, as marmitas estão em alta entre as pessoas que já se conscientizaram que é possível conciliar tempo e saúde, ao retornar um hábito muito comum na vida do trabalhador. A diferença dessa prática, no entanto, não se concentra apenas na distância e na duração de tempo implícita no deslocamento de casa para o trabalho, mas inclui um novo ingrediente que transcende tão somente a necessidade de suprir a fome: o cuidado com a própria saúde, que envolve desde a escolha de alimentos de boa procedência até a quantidade certa para evitar excessos.

Por fim, completando a lista de mudança que ocorreram nas últimas décadas, podemos observar que se antes reutilizar ou consertar uma roupa era algo comum, por um bom tempo isso foi deixado de lado, dando lugar à preferência ao consumo mais frequente de um produto novo. Entretanto, muitas pessoas têm repensado seus hábitos de consumo, dando espaço para atitudes que rebuscam comportamentos e renovam o conceito de moda. Recentemente, Jane Fonda protagonizou esse ato sustentável na cerimônia do Oscar 2020. A celebridade quebrou paradigma ao repetir um vestido que ela mesma já havia usado no Festival de Cannes, em 2014. A criatividade tornou-se uma solução para driblar o consumismo e o desperdício, fazendo surgir grupos interessados em reutilizar vestimentas, reduzir o descarte e reciclar outros acessórios. Brechós, bazares, topa-tudo, sebos, grupos solidários, exposições e negociação de objetos de demolição são práticas que têm apresentado grandes demandas nos dias de hoje. Pode parecer uma realidade discreta, mas é significativa a economia que circula no mercado dos usados. Segundo uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), é crescente o número de consumidores de produtos de segunda mão, sendo que o fato de economizar dinheiro aliado à preocupação em consumir de forma sustentável e consciente tem sido um movimento de combate à degradação ambiental e a principal motivação para a compra de usados.


A criatividade tornou-se uma solução para driblar o consumismo e o desperdício, fazendo surgir grupos interessados em reutilizar vestimentas, reduzir o descarte e reciclar outros acessório 


A recomendação consiste em utilizar as coisas até que elas se acabem. É essa a atitude que devemos ter. Comprar menos e utilizar até quando puder. Sabemos que não é fácil, pois o tempo todo o “sistema” nos manda comprar mais e mais coisas que são feitas para durarem menos. Resista! Pelo menos assim, você não estará contribuindo para aumentar o volume dos aterros e, consequentemente, se desconectando desses movimentos cíclicos que regem os modos de vida. E, quando não houver esperança nenhuma, faça pelo menos um descarte responsável!

Lembre-se de que para aprimorarmos nossa relação com o meio ambiente é necessário almejar soluções simples para os problemas do presente, observando práticas significativas de tempos passados. É justamente nessa combinação que cada ciclo tem sua importância e contribui para as mudanças necessárias na busca de novos caminhos. Nesse movimento, o conhecimento é importante, pois oportuniza o surgimento de novas tecnologias e conduz as transformações positivas dos indivíduos rumo ao aprendizado de compartilhar o mesmo ambiente sem prejudicar uns aos outros.



Ricardo Almeida

Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre em Inovação Tecnológica. Especialista em Gestão de Pessoas e Negociação Coletiva. Atua nas áreas de Desenvolvimento Humano e Educação Ambiental. 


* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Mulheres. O conteúdo é de total responsabilidade do autor. 


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