Ricardo Almeida


Entre o discurso de “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” e as promessas de zerar até 2050 as emissões dos gases de efeito estufa e de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, o governo brasileiro parece validar o velho ditado de que em casa de ferreiro o espeto é de pau. 

A primeira fala, proferida em maio de 2020 pelo atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, traduziu sua ideia de aproveitar que as pessoas (imprensa, justiça, população e ambientalistas) estavam concentradas na pandemia, para mudar as regras de proteção ambiental. A grande sacada do titular da pasta foi de que aquele era um momento oportuno para simplificar leis e regulamentos sem que houvesse críticas e questionamentos por parte da justiça brasileira. Uma típica “baciada” de mudanças, como ele mesmo resumiu. 


Presidente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles


O segundo discurso representou o Brasil na reunião da cúpula de líderes sobre o clima, ocorrida de forma virtual nos dias 22 e 23 de abril nos Estados Unidos. O evento contou com representantes de 40 países e, apesar de ter como pano de fundo a administração do presidente americano Joe Biden, teve como objetivo estimular a criação de planos por parte das maiores economias mundiais para reduzir as emissões de poluentes e gás carbônico no planeta. 

Todavia, sem a pretensão de analisar de forma mais aprofundada a coerência entre discurso e prática acerca do meio ambiente, daremos enfoque apenas a essa noção de abertura da “porteira” e os desafios que estão por trás das metas assumidas pelo Brasil. 

Em matéria publicada pela BBC News - Brasil, foram destacados alguns efeitos da simplificação de normas ambientais sem a necessidade de  aprovação do Congresso, tais como a flexibilização de normas para exportação de madeira pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em junho de 2020, e a recente proposta da ANP (Agência Nacional do Petróleo) autorizando a exploração de petróleo em áreas próximas a Fernando de Noronha. 

Outros projetos de lei também foram destaques na publicação, mostrando os danos que uma debandada como essa pode causar. As propostas giraram em torno de temas como liberação da caça, permissão da prática pecuária em reservas legais, modificação na lista de espécies de peixes ameaçados e redução de parques nacionais, mostrando situações que ensejam as fragilidades de um processo de tomada de decisão que, baseado na unilateralidade, envolve os recursos naturais do país. 

Por outro lado, ao anunciar novas metas em favor da redução de poluentes e do controle do aquecimento global, o Brasil conseguiu surpreender as lideranças mundiais, mas também provocou inquietações internas, tendo em vista as péssimas notas que vem tirando no quesito proteção ambiental. O Brasil, ao antecipar 10 anos da meta anterior, se juntou a 140 países que pretendem emitir zero de carbono até 2050. 

O ponto mais polêmico e que gerou maior desconfiança entre ambientalistas foi a promessa de dar fim ao desmatamento ilegal até 2030, uma vez que o desmatamento no Brasil aumentou quase 50% só nos últimos dois anos. De acordo com o site DW Brasil, a organização de direitos humanos HRW (Human Rights Watch) enxerga o discurso do presidente como promessas vazias e afirma que as políticas do atual governo brasileiro além de contribuírem para o aumento do desmatamento da Amazônia, têm enfraquecido as agências ambientais, as organizações da sociedade civil e os povos indígenas. 



Os objetivos são de difícil execução e ainda são vistos com muito ceticismo pelos especialistas, que reconhecem as dificuldades do país em cumprir as próprias políticas ambientais. Fato é que as contas das mudanças climáticas já estão chegando e, se nada for feito, nem será preciso abrir a porteira, pois a força da boiada prescindirá de qualquer regramento ou permissão para passar.


Ricardo Almeida

Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre em Inovação Tecnológica. Especialista em Gestão de Pessoas e Negociação Coletiva. Atua nas áreas de Desenvolvimento Humano e Educação Ambiental. 


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