O envolvimento do intestino na depressão, obesidade e outras doenças
por Lisete M. A. Resende
Após a finalização do Projeto Genoma Humano em 2003, considerado uma das grandes façanhas da história da humanidade realizou-se, no período de 2007 a 2012, o Projeto do Microbioma Humano. Contando com a participação de apro- ximadamente 80 instituições de pesquisa dos Estados Unidos esse projeto mapeou todos os microorganismos, entre eles, fungos, vírus, proto- zoários e bactérias que habitam o microbioma humano. (1)
Qual seria a finalidade de um estudo dessas dimensões? Segundo os pesquisadores do mundo inteiro, que estão debruçados sobre o tema desde 2012, inclusive o Brasil, por meio da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, essas comunidades microbianas podem desem- penhar um papel fundamental na origem de muitas doenças incluindo as autoimunes, meta- bólicas como depressão e diabetes, as doenças e síndromes intestinais, alergias, autismo, câncer e doenças degenerativas. (2)
Enquanto o microbioma é todo o universo de microrganismos que habitam nosso corpo, a microbiota refere-se aos microorganismos que colonizam um determinado local. Na nossa microbiota intestinal são trilhões de bactérias - e quanto mais espécies uma pessoa tem, melhor é - convivendo em equilíbrio para realizar a decomposição dos alimentos transformando-os em nutrientes, vitaminas, neurotransmissores, sendo a primeira barreira de proteção de nosso organismo.
Esse sistema perfeito pode ser quebrado caso venha a ocorrer um excesso de bactérias patogênicas ou diminuição da diversidade de bactérias e, com isso, gerar um perfil mais inflamatório culminando num caos chamado Disbiose.
Essa disbiose permite que toxinas migrem para a corrente sanguínea promovendo inflamações e ativando o sistema imune. Por isso, às vezes, ficamos mais intolerante a algum alimento, que não éramos antes, com alergias na pele, rinite, rosácea, ou dor de cabeça, entre outras diversas sensibilidades e processos alérgicos e outros inúmeros prejuízos à saúde.
OBESIDADE E MICROBIOTA
Entre os problemas de saúde que a permeabilidade pode promover aparecem os distúrbios metabólicos como a diabetes, hipertensão, e a obesidade. Estudos recentes têm reforçado a hipótese da influência da microbiota na sua fisiopatologia.
Em um modelo experimental, camundongos sem microbiota (Germ-free) foram submetidos ao transplante de microbiota intestinal colhida de um doador obeso. Após quatro semanas (período para colonização desta microbiota doada), metade dos camundongos foi submetida à dieta rica em gorduras, enquanto restante foi mantido na dieta baixa gordura. Os ratos que receberam microbiota de doadores obesos tiveram um aumento significativo na gordura corporal total com ambas as dietas demonstrando, assim, a contribuição da microbiota para o agravamento dos fatores fisiopatogênicos na obesidade.(3)
Conforme explica o nutrólogo Dr. Guilherme Giorelli, a disbiose intestinal contribui para a obesidade, primeiro porque ela é associada ao aumento de bactérias que conseguem fermentar mais carboidratos, o que aumenta a produção dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Isso faz com que, mesmo ingerido a mesma quantidade de carboidrato você produza, e estoque, mais glicose e mais gordura. E depois, após o alimento ser absorvido, o intestino produz um peptideo que age no cérebro regulando a saciedade. Os individuos obesos podem comer a mesma coisa e ter menos saciedade", conclui o nutrólogo. (4)
Seria possível concluir que tratando a disbiose, mudando a alimentação e ingerindo probióticos, a pessoa começaria a emagrecer? Segundo o endocrinologista Mario Saad, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Unicamp, não é bem assim. (5)
Ele explica que a microbiota de uma pessoa se forma nos primeiros quatro anos de vida. "A microbiota começa a se formar durante o parto. Tudo o que acontecer nos primeiros quatro anos vai influenciar: Se receber leite materno, se tomar muito antibiótico, o estilo de vida, como se alimenta, o contato com o meio ambiente. A microbiota estabelecida nos primeiros anos dura para sempre, é muito dificil mudar isso", detalha o especialista. É a partir desta microbiota que o organismo adapta o sistema imunológico e a capacidade de absorver nutrientes.
Processo de formação da microbiota durante o parto
Mas nem tudo está perdido, como diz Saad. Embora o microbioma de um indivíduo saudável seja relativamente estável, a dinâmica microbiana intestinal certamente pode ser influenciada pelo estilo de vida do hospedeiro e moduladas pelas escolhas alimentares.
PARKINSON E MICROBIOTA
Estudos recentes publicados por pesquisadores brasileiros no periódico iScience em fevereiro/22, sobre microbiota e a a doença de Parkinson mostram que "o distúrbio pode se originar mais cedo no sistema nervoso entérico, antes de avançar para o cérebro, por meio das fibras autonômicas", afirmou o coordenador da pesquisa, Matheus de Castro Fonseca. (6)
O gastroenterologista Rodger Liddle, médico, professor de medicina em Duke afirmou que os cientistas estão considerando uma proteína mal dobrada chamada alfa-sinucleína a possível causa da doença de Parkinson. Essa proteína é natural no cérebro de todos. No entanto, em pacientes com Parkinson, as proteínas são anormalmente dobradas. Há evidências abundantes de que a alfa-sinucleína é encontrada nos nervos do intestino antes de aparecer no cérebro. Esta é outra evidência que sustenta a hipótese de que parkinson surge no intestino.(7)
Matheus Fonseca disse que "antes o foco das pesquisas era o cérebro. E, com décadas de estudos, não se avançou muito nesse sentido. E conclui "Agora estamos redirecionando o foco, do cérebro para os intestinos. E as novas descobertas parecem muito promissoras"
INTESTINO - SEGUNDO CÉREBRO
O cérebro e o intestino têm um forte sistema de comunicação chamado eixo intestino-cérebro, que se comunica por meio do nervo Vago, enviando sinais em ambas direções. No intestino existem em torno de 500 milhões de neurônios.
Diferente de qualquer outro órgão, nosso intestino pode funcionar sozinho, não precisa que o cérebro lhe diga o que fazer. Ele participa e influencia os comportamentos, humores e até nossa saúde mental, havendo uma relação bidirecional entre o cérebro e o intestino.
Segundo a Nutricionista Karina Al Assal, a comunicação entre esses órgãos ocorre por sinalização nervosa, endocrina e imunológica. O mal humor durante a constipação ou a diarreia, antes de uma reunião importante, são exemplos bem conhecidos dessa interação. (8)
Por um lado, o cérebro pode modular a motilidade, a permeabilidade e interferir na microbiota. Por outro lado, os ácidos graxos (AGCC) sintetizados pela microbiota produzem peptídeos, que atuam no sistema nervoso central, induzindo à saciedade e promovendo mudanças comportamentais.
EIXO INTESTINO CÉREBRO
SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL
A síndrome do intestino irritável (SII) é um dos distúrbios mais comuns da interação cére- bro-intestino e já é estimado que afete cerca de 11% da população mundial. É considerada uma doença funcional, já que não apresenta anormalidades estruturais e bioquímicas nos exames.
A causa da Síndrome do Intestino Irritável é multifatorial. Podem ser considerados gatilhos para a SII: eventos traumáticos, estresse, ansiedade, depressão, alteração de hormônios, alimentos que gerem intolerância ou sensibilidade.
O diagnóstico é feito considerando-se a presença de sintomalogias diversas que envol- vem dores e desconfortos abdominais constantes, com alterações dos hábitos intestinais como diarreia, constipação ou ambos, estufamento abdominal, cólica, inchaço, gases e até mesmo cansaço, depressão e ansiedade.
EIXO INTESTINO CÉREBRO
SIBO
SIBO (supercrescimento bacteriano no intestino delgado) é um distúrbio relacionado à Síndrome do intestino irritável-SII, uma vez que também culmina em Disbiose. Ocorre no intestino delgado, local onde é feita a absorção de nutriente e onde, em geral, habitam poucas bactérias.
Se a função do intestino grosso, onde se acumulam os resíduos do processo digestivo, estiver comprometida, pode ocorrer crescimento excessivo de bactérias que podem migrar para o intestino delgado. O intestino grosso possui extensa flora microbiana.
O diagnóstico é feito por exames e os sintomas se assemelham aos da SII, com dor e estufamento abdominal, diarreia, cólicas, entre outros. Na SIBO a pessoa digere mal alguns alimentos, faz algumas alergias e tem inibição no aproveitamento adequado dos nutrientes. Isso leva à desnutrição e dificuldades na absorção de gordura. A desnutrição pode resultar em perda de peso e progredir para a muscular.
Sobre formas de tratamento na SIBO e na SII a melhora de hábitos alimentares, o aumento de fibras na dieta, exercícios físicos, probióticos, e terapia para controle da ansiedade podem ajudar. Para a SIBO antibióticos podem ser necessários além da reposição de vitaminas.
EIXO INTESTINO CÉREBRO
DEPRESSÃO
As evidências confirmam que altos níveis de estresse podem alterar a composição de bactérias intestinais que, por sua vez, podem influenciar o desencadeamento de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão.
Pesquisas mostram que, "se pegarmos bactérias intestinais de seres humanos com depressão e colonizarmos o intestino de camundongos, os animais terão mudanças fisiológicas e de comportamento características da depressão", exemplifica Katerina Johnson, pesquisadora do eixo microbioma-intestino-cérebro da Universidade de Oxford. Essa experiência comprova o envolvimento da microbiota nos distúrbios dessa natureza. (9)
Diversidade de microorganismos da microbiota
Já foi possível comprovar também que, no caso da depressão, a abundância e diversidade microbiana intestinal são reduzidas, em comparação com pessoas saudáveis. Não menos importante foi verificar que os pacientes diagnosticados com condições mentais, incluindo depressão, demonstraram disbiose intestinal.
As bactérias benéficas habitantes dos intestinos são capazes de metabolizar compostos importantes que possuem papel regulador, como neurotransmissores, a exemplo da serotonina e do GABA, fundamentais no balanceamento do humor, de transtornos depres- sivos e de ansiedade.
Dra. Megan Rossi, especialista australiana em saúde intestinal, afirma sempre: "Se você tem problemas intestinais, algo fundamental que precisa fazer é observar a quanto estresse você está submetido" (10). Como o eixo intestino-cérebro é de mão dupla, será importante, num futuro próximo, antes da prescrição de medicamentos que levem à alteração da química cerebral do depressivo, investigar a saúde intestinal deste indivíduo. (11)
Manter alimentação diversificada, incluindo mais de 30 alimentos, entre vegetais e frutas, diferentes por semana pode ajudar a manter a microbiota saudável. Também pode ser benéfico ter um boa noite de sono, e compreender que os exercícios físicos aumentam as comunidades bacterianas que produzem ácido graxo de cadeia curta, aquele que modifica nosso metabolismo, imunidade e outros processos fisiológicos.
Há muitas coisas interessantes que a pesquisa em microbiomas trará e há avanços em andamento. Enquanto isso, simples escolhas de estilo de vida podem nos ajudar a manter uma microbiota mais diversa e equilibrada e a cultivar uma vida mais saudável.
Referências: Cientistas completam identificação de microbioma humano | Examehttps://www.bbc.com/portuguese/geral-621248458b1fa97b2fef63c6527be480665abd07.pdf (vponline.com.br)(25) Como as bactérias intestinais contribuem para obesidade e como melhorar? - YouTubeBactérias do intestino protegem o organismo e ajudam a emagrecer - Notícias - R7 Saúdeestudos recentes publicados por pesquisadores brasileiros no periódico iscience em fevereiro/22 - Pesquisar (bing.com)Estudos mostram que doença de Parkinson pode começar no intestino - WHYSgivinghttps://www.karinaalassal.com.br/post/serotonina-e-intestino-qual-a-rela%C3%A7%C3%A3oO poder que o seu intestino tem sobre sua saúde e até seu comportamento - BBC News Brasilhttps://portalemfoco.com.br/segundo-cerebro/https://longevidadesaudavel.com.br/impacto-do-intestino-no-quadro-depressivo/
Fontes: