Jornalista Juba Maria
Não é de hoje que, no Brasil, mulheres são inseridas na política na esperança de uma nova forma de governar. Mas, nem sempre conseguem promover as mudanças sociais almejadas.
Nas primeiras eleições diretas, em 1985, depois de uma longa ditadura militar, nordestinas e nordestinos elegeram duas mulheres para comandar o executivo municipal. Gardênia Gonçalves, pelo PDT, em São Luís, e Maria Luiza Fontenele, pelo PT, em Fortaleza.
Na ocasião, a vitória da socióloga Maria Luiza repercutiu intensamente no país. Era uma candidata de esquerda, sem ligação com grupos poderosos, concorrendo com políticos tradicionais que estavam na frente nas pesquisas eleitorais, conforme narrado por Raquel Paiva de Araújo Soares no livro “Política: uma palavra feminina”.
De lá pra cá, 36 anos se passaram. Muitas mulheres já estiveram à frente de prefeituras em todo país. Algumas conseguiram implementar importantes mudanças. Mas, apenas agora, a cidade de Uberaba passa a ser comandada por uma mulher, Elisa Araújo (Solidariedade). Também foi a primeira vez que quatro vereadoras foram escolhidas para compor a Câmara Municipal de Uberaba (CMU). Juntas, elas representam 9.320 votos. São elas: Lu Fachinelli (PSL), com 2.840 votos e em 2º lugar; Rochelle (PP), em 4º lugar, com 2.710 votos; Alessandra do Abrigo dos Anjos (Pode), em 7º, com 2.224 votos; e a reeleita Denise Supra (Patriota), em 15º lugar, com 1.546 votos.
Rochelle, com 2.710 votos foi a quarta colocada nas eleições 2020 para o legislativo de Uberaba
Apesar do resultado, todas as mulheres entrevistadas para esta matéria concordam que há muito ainda a ser feito para que uma maior participação de mulheres na política se converta em efetivas transformações sociais. Para Lu Fachinelli, por exemplo, é perceptível o incômodo causado quando uma mulher ocupa espaços de poder, principalmente quando ela defende políticas sociais e incomoda parcelas privilegiadas da sociedade.
Luciene Fachinelli, com 2.840 votos foi a segunda vereadora mais votada nas eleições Uberaba – 2020. Foto Francis Prado
Ela cita as ex-presidentes Dilma Rousseff, do Brasil, e Michelle Bachelet, do Chile, que “foram criticadas quanto a suas políticas sociais”. Na opinião da vereadora, mulheres devem ser incentivadas a ocupar cargos de poder para que possam lutar pelas pautas das mulheres. “Somos, por exemplo, as maiores vítimas da falta de segurança pública e somente quem é a vítima reiterada sabe o quanto as situações se repetem”, apontou.
Para a enfermeira Maria Sandra Tapajós (Psol), quando assume um mandato, espera-se da mulher que tenha compromisso com reformas de governança na perspectiva de gênero. Ou seja, que estabeleça políticas públicas eficazes na promoção da igualdade. Maria Sandra cita o exemplo negativo de Margaret Thatcher, a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Reino Unido. Na opinião de Maria Sandra, longe de agir em defesa dos direitos das mulheres, Thatcher acabou implementando uma série de medidas típicas de uma sociedade patriarcal tal como a guerra, a defesa do status quo, o aumento da desigualdade e o estímulo à competição individualista.
Quem também comentou o assunto foi a professora de ciências sociais e escritora, Gabriela Costa. Para ela, é fundamental compreender que o patriarcado e o machismo estão substancialmente ligados ao sistema capitalista. “Embora reformas sejam importantes, nosso horizonte tem de ser o da transformação estrutural. Caso contrário, continuaremos tendo mudanças apenas pontuais, mas que a cada governo podem ser revogadas, modificadas, e o avanço no que tange aos direitos sociais estará à mercê do establishment”, observou. “Precisamos de mulheres que atuem politicamente com vistas a transformar radicalmente a estrutura que tanto nos domina e explora”, completa.
Gabriela Costa, professora de Ciências Sociais e Humanidades, feminista e autora do livro Bajubá: memória e diálogos das travestis
Para Lu Fachinelli, o mais importante é ser capaz de dialogar, “seja em casa, seja na política ou qualquer outra situação”. Ela analisa, inclusive, que uma das causas do impeachment de Dilma Rousseff foi justamente a falta de diálogo com o Congresso Nacional. Por isso, defende que as mulheres só serão respeitadas quando conseguirem impor suas posições através do diálogo e revelou para a Revista Mulheres seu desejo de ocupar a presidência da Câmara Municipal de Uberaba. “Em um primeiro momento, meus colegas eleitos entenderam que não era hora. É um projeto que foi adiado, mas que vou reestruturar para 2022 na companhia das minhas três colegas”, adiantou, referindo-se a Rochelle, Alessandra e Denise.
Alessandra do Abrigo dos Anjos obteve 2.224 votos e ficou em 7º lugar nas eleições para 2020 para a Câmara Municipal de Uberaba
Maria Sandra também acredita no diálogo, mas preocupa-se com a neutralidade dos discursos em um momento como o atual que, segundo ela, exige posicionamento. “Nós mulheres, feministas precisamos participar ativamente das lutas e denunciar as mulheres que não apresentam pautas contra o estupro, a violência doméstica, o assédio sexual, nem oferecem creches e benefícios para mães solteiras”, alertou. Ela espera que Uberaba possa avançar em políticas públicas que beneficiem as mulheres e as meninas.
Para as mulheres que desejam atuar politicamente na cidade, Gabriela Costa sugere que estudem ao máximo sobre política, sociologia, antropologia, economia, literatura e estudos feministas e de gênero. “Conhecimento também é poder e isso muda muita coisa. A emancipação também está aí”. Outro conselho é não fazer política pela metade. “Busque uma mudança estrutural e que olhe para os trabalhadores, pobres, mulheres, pessoas LGBTs, negros, pessoas com deficiências, imigrantes, indígenas e as comunidades tradicionais”, completou.
Lu Fachinelli promete ainda que fará de tudo para incentivar a entrada de mais mulheres na política de Uberaba e, para isso, defende o restabelecimento da Escola do Legislativo.
“Uma vez preparadas, cada uma escolhe seu destino partidário pra ganhar eleição e não pra completar ou fraudar chapa”, disse. Ela garantiu também que vai propor para a Prefeitura Municipal de Uberaba a repristinação da lei que transformou a Superintendência da Mulher em Coordenadoria. "Nossa mão de obra não pode ser a mais barata. Política de gênero tem importância sim, e como tal, deve ser valorizada”, completou.
Denise Max, reeleita para Câmara de Vereadores de Uberaba com 1546 votos, sendo as 15ª colocada do pleito