A atuação de mulheres na política de Uberaba deve ser pautada pelo 

real interesse em reduzir desigualdades

Jornalista Juba Maria

 


Quando se olha para o cenário político atual, a fim de se discutir o tema da participação necessária de mulheres na política, me vem à cabeça o universo estranho e mórbido de “Os Cantos de Maldoror”, publicado pela primeira vez em 1868 por Isidore Ducasse, o Conde de Lautréamont: cenas brutais, por vezes de violência extrema, em que os principais temas são a crueldade, a maldade, a covardia, a estupidez humana, o horror pela mulher. Paisagens absurdas ou de gosto duvidoso, partes que parecem plagiadas de filmes de terror, com piolhos roendo a pele, crostas e escaras da lepra, ignóbeis parasitas. O verdadeiro império do grotesco de que fala o professor Muniz Sodré (UFRJ): a estética da barriga para baixo, mais relacionada com os dejetos, com a escatologia e os excrementos.

Excrementos simbolizam o tablado em que algumas mulheres montam cenários absurdos em conivência com o opressor, deixando que, à maneira de Lautréamont, uma família de sapos fixe residência. Fica o alerta “cuidado para que não escape um e venha roçar com a boca o interior da vossa orelha”. Não será diferente neste ano eleitoral, “quando os sapos serão capazes de penetrar em vosso cérebro”.

Na história do Brasil, não são raros os registros dos momentos em que mulheres colaboraram com práticas hostis e segregacionistas. Um deles envolveu a instalação da Casa Maternal, a primeira escola pública criada por Anália Franco, no fim do século XIX. A casa ficava no estado de São Paulo e tinha sido cedida gratuitamente pela proprietária, uma fazendeira, sob a absurda condição: “não misturar negros e brancos”. Anália, que havia sido católica e se tornara espírita sem nunca misturar o trabalho social com religião, não aceitou a proposta racista, mas precisava do espaço. Aceitou, então, pagar um aluguel pela casa, recebendo qualquer criança, sem segregação ou distinção racial. Ainda assim, a fazendeira não se deu por vencida diante da ousadia da professora e removeu as crianças do lugar. Alegou cinicamente para isso, que a casa estava sendo transformada em um albergue, exteriorizando, através de uma ação individual, as suas características racistas mais peculiares.



Hoje, como no passado, os tempos de opressão e intolerância escancaram todo um azar de retrocessos. Mulheres submetidas ao sistema patriarcal, demonstram por vezes comportamento tão ignóbil quanto o do opressor, revelando uma ferida purulenta que precisamos enfrentar. Parece ocorrer assim: ainda que, algumas tenham passado por um sem número de violências, ao entrar no espaço político, para o bem ou para o mal, agem à moda Ministra Damares Alves, tendo a vida tutelada por homens. Aliás, agem como são: mulheres feito a Inés de meu “talvez eu tenha morrido”, que ainda não se libertaram do cárcere e seguem andando de lado feito caranguejo, ora aprumando as amarras, ora remendando a alma complacente e sem critério”. Revelam, assim, as incoerências e estranhezas sociais há tanto tempo escondidas a fim de evitar o necessário enfrentamento, enquanto “os cavalos apavorados fogem em todas as direções”. “É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”, escreveu José Saramago. Por isso mesmo, parece tão necessário retomar Hannah Arendt (tantas vezes acusada de ser uma mulher que pensava como homem) enquanto fonte poderosíssima para o movimento político das mulheres. Movimento capaz de fazer nascer uma nova história, pactuar um novo começo em que as mulheres sejam incluídas, não como sustentadoras de uma vida privada opressiva e carente de liberdade, mas enquanto agentes de transformação. Feito o arquétipo da deusa Inana, precisamos continuar tornando público o que está na esfera privada a fim de visitar as trevas da opressão para que atitudes e valores antigos sejam, enfim, substituídos por novos. Como, porém, unir feminismo e sagrado, espiritualidade e laicidade, trabalho e ação, acolhimento e posicionamento crítico, interesse privado e público?  Como evoluiremos, se ainda não levamos em consideração o lugar de fala das mulheres negras e indígenas? Como superar a polarização política em curso? Como existir, conforme nos lembra Djamila Ribeiro, através de outras possibilidade, encarando e entendendo nosso passado e nos posicionando diante da realidade sem subalternidade e objetificação?

Quando se trata de Uberaba, consigo vislumbrar uma luz no fim do túnel quando vejo o amanhecer de algumas mulheres progressistas, que convidamos para debater e compor as próximas edições de Mulheres.

Mulheres interessadas em participar devem encaminhar e-mail para jornalistajubamaria@gmail.com.