Elas escancaram medos e dificuldades de se fazer política em Uberaba

Jornalista Juba Maria


A falta de mulheres ocupando cargos políticos em Uberaba é sintoma da miséria intelectual alimentada pela falta de estímulo à formação política e a crença no patriarcado. Mesmo quando alçadas a algum cargo público, espera-se das mulheres que sejam como marionetes nas mãos de homens poderosos: mero adorno sem voz servindo apenas para divertir e atrair voto. Daí os preconceitos, ofensas e ameaças sofridas por aquelas poucas mulheres que se atrevem a furtar “a luz da aurora nascendo nos campos silenciosos”, como escreveu Virginia Woolf. Em tempos de pandemia, esse desafio se torna ainda maior e foi por isso mesmo que decidimos conversar com mulheres pré-candidatas ao cargo de prefeitas de Uberaba de diferentes partidos e ideologias, mas com alguma coisa em comum. Além da coragem, todas revelam seus medos e dificuldades, além do desejo de construir uma sociedade melhor. Cada uma a seu modo, carregam correntezas por dentro e vivem dias desgastantes.

Tudo isso em uma Uberaba marcada pela hipocrisia de homens como o médico João Teixeira Alves, que entrou para a história da cidade por motivos nebulosos e turbulentos: caiu na boca do povo depois que jogou piche em uma mulher com quem teve um relacionamento extraconjugal e foi o responsável por processar Eurípedes Barsanulfo por exercício ilegal da medicina. Na vida pública, porém, pregava “muita reza, Igreja e Nossa Senhora”, como contou Lucilia Rosa Soares, na biografia Lucília – Rosa Vermelha, lançada em 2012*.


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É contra essa tempestade provocada por homens como João Teixeira Alves que as mulheres em Uberaba nadam todos os dias, em especial aquelas que desafiam o poder político. Elas enfrentam não apenas o sofrimento próprio, mas o de suas antepassadas, carregando histórias de muita luta, dor e violência. Cada uma navega por “rios calmos, mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície”, como no conto de Conceição Evaristo.

O clima disseminado de confronto, geralmente do tipo nós-contra-eles absoluto, que tomou corpo na cultura política brasileira dos últimos anos, só fez piorar ainda mais esse cenário de violência. É o que conta Patrícia Melo (PT), mulher jovem, cheia de ideias e de espírito aberto, para quem a política se afigura mais como uma vocação do que como um dever. “Não é só o machismo que nos violenta e quer impedir nosso progresso em qualquer campo. Ser pré-candidata a prefeita pelo Partido dos Trabalhadores em tempos de tanta polarização me faz conviver com uma violência sem precedentes. Muito desrespeito comigo e com o partido que defendo e escolhi seus princípios para pautar minha vida.”


Patrícia Melo (PT). Foto: arquivo pessoal


Regiane Isidoro (PSDB) também compartilha a sua própria experiência, concluindo que a política “é realmente inóspita para mulheres”. Segundo ela, a violência política contra a mulher existe e precisa ser combatida. “Embora haja um discurso de que as mulheres devam entrar na política, tive a surpresa de enfrentar preconceitos, e palavras como: você é um fantoche, você é um porco engordando para venda” e “sou ótimo amigo, mas não me queira como inimigo, conta. Apesar disso, ela não esmorece. “Diante de tudo o que sofri, o desejo e a coragem de ingressar na política está ainda maior, pois enquanto houver o silêncio dos bons, os oportunistas reinarão”, confessa. Até o fechamento dessa matéria, Regiane ainda era pré-candidata ao cargo de prefeita pelo PSDB.

Regiane Isidoro (PSDB). Foto: arquivo pessoal


Os espinhos também fazem parte da trajetória de Maria Sandra Tapajós (Psol). Ela vem sofrendo inúmeros ataques nas redes sociais, evidenciando assim não apenas a intolerância política, mas também o machismo. “O processo eleitoral para mulheres e principalmente para mulheres ativistas do movimento feminista classista e socialista é um verdadeiro calvário”, conta. “Queremos discutir principalmente com as mulheres de Uberaba para que elas compreendam melhor o que queremos dizer”, comenta, lembrando que segundo essa perspectiva a questão da terra é fundamental. “Afinal, a terra deve ser de todos - homens e mulheres - que desejam nela trabalhar”, completa.


Maria Sandra Tapajós (PSOL). Foto: arquivo pessoal


Não raro, as mulheres relatam um exercício cotidiano de solidão, medo e angústia diante de um universo de truculência. Afinal, é preciso de muito apoio para resistir às expressões acaloradas, além das ameaças reais ou simbólicas. Para Kênia Borges (PSD), a situação exige determinação, pois nossa cidade ainda é muito conservadora e patriarcal em todos os sentidos, principalmente na política. “A gente tem que matar um leão por dia, pois é impressionante como alguns homens dificultam a nossa caminhada política, querendo comandar e dirigir tudo”, desabafa. Ela confessa que as dificuldades foram inúmeras e de diferentes formas, mas “só me deixaram mais encorajada a continuar nessa caminhada política, buscando novos desafios, conquistando o meu espaço e trabalhando para ser reconhecida pela minha competência”, diz, lembrando a famosa frase de Clarice Lispector: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.


Kênia Borges (PSD). Foto: arquivo pessoal


Assim como Maria Sandra e Regiane, Simea Freitas (PSTU) é enfermeira. Mas, sendo a única mulher negra pré-candidata à Prefeitura de Uberaba, enfrenta não apenas o machismo como o racismo estrutural. Para ela, no entanto, essas opressões são inerentes ao sistema capitalista. “O que precisamos combater é esse sistema”, diz. Simea acredita que uma cidade governada por mulheres deve permitir a criação de conselhos populares nas periferias, nas fábricas, nas empresas, nas escolas, onde trabalhadores e trabalhadoras possam se organizar melhor. “Nós precisamos lutar por condições dignas”, conclui.

Para Elisa Araújo (Solidariedade), concorrer ao cargo de prefeita de Uberaba é um grande desafio. “Depois de ser eleita como primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, em 80 anos, percebi que podemos e devemos ocupar nossos espaços”, comenta a empresária. Para ela, toda iniciativa que tiver por objetivo a valorização da participação de mulheres na política é fundamental. “Tenho recebido uma série de desincentivos”, diz. “Dizem que mulher não vota em mulher, mas eu não acredito nisso”, conta. Elisa revela ainda que sua mãe, mulher de origem simples, fora vítima de violência doméstica praticada pelo primeiro marido. “Separou-se muito jovem, cabeleireira, com dois filhos pequenos e precisou enfrentar o desafio de se sustentar”.


Elisa Araújo (Solidariedade). Foto: Marise Romano


Além do machismo, as pré-candidatas revelam ainda as dificuldades de se dialogar com a população em tempos de pandemia. Para isso, contam que têm feito uso das redes sociais ou de encontros com distanciamento social. Para Patrícia Melo (PT), por exemplo, falta o abraço, a proximidade, o olhar nos olhos. “Mas, a pandemia vai passar e vamos colocar em prática o nosso jeito de fazer política, com a participação de todos. Juntos, vamos fazer a cidade que queremos, uma Uberaba da gente”, diz.


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