Por Ricardo Almeida
Construir um bairro sustentável já não é um desafiodos mais difíceis. A questão permeia sobre o que deve ser feito naqueles bairros mais antigos, onde não há mais nascentes, há poucas árvores e uma população em crescimento. Como transformar um bairro já consolidado em um bairro mais sustentável? Esse é o grande desafio a ser enfrentado por todos nós.
Para o ano de 2023 com mais otimismo e inspiração na seara do meio ambiente, compartilho algumas informações relevantes sobre uma prática muito interessante que já vem despontando como algo promissor nos espaços urbanos: os ecobairros. Trata-se de experiências realizada sem escala local, oportunizando ações socioambientais em contato direto com as comunidades.
Ao categorizar algumas iniciativas de ecobairros, Freitas (2016) esclarece que esse tipo de empreendimento pode partir de diversos atores sociais, tais como: poder público, população, universidades, organizações não governamentais e o próprio mercado imobiliário.
Os ecobairros anunciam seus fundamentos em sustentabilidade por meio de atividades relacionadas à preservação do ambiente local (solo, água, biodiversidade, resíduos, energia), às políticas de convivência e às ações coletivas e de cooperação mútua. As construções sustentáveis, as hortas urbanas, os espaços verdes, a autossuficiência energética, a integração entre edificações e demais práticas que promovem melhoria na qualidadede vida dos moradores constituem de características visuais dos ecobairros e ao mesmo tempo contribuem para fomentar a educação ambiental das pessoas.
Países como Alemanha (Vauban), Austrália (Christie Walk), Suécia (Western Harbour) e Reino Unido (BedZED) possuem instalações exemplares de modelos ecobairros. Para se ter uma ideia, BedZED é um bairro com 100 casas localizado no sul de Londres que busca alcançar alta qualidade de vida de seus moradores, tendo conseguido reduzir em 58% o consumo de água e possibilitar que as famílias consumam alimentos orgânicos e reciclem 60% dos seus resíduos. Já a pequena comunidade de Christie Walk, localizada em Adelaide, na Austrália, foi constituída no ano 2000 e possui hoje 27 casas. O bairro tem aquecimento solar, telhados verdes, sistema decaptação de água da chuva, prática de compostagem e instalações com hortas em jardins, calçadas ebalcões (ver mais em fecomercio.com.br/noticia/cinco-ecobairrossao-destaque-no-mundo).
No Brasil, alguns projetos de ecobairros começam a sair do papel e virar realidade. Uma experiência mais recente, realizada na zona oeste de São Paulo, mostrou um pouco da trajetória de transformação de um bairro antigo em um ecobairro. O projeto foi encabeçado por um grupo de moradores que propôs realizar um levanamento das melhorias possíveis para a região.
A partir da coleta de dados e de várias discussões, o grupo conseguiu elevar a qualidade da água em pouco tempo, canteiros de rua foram transformados em áreas verdes e novas árvores foram plantadas em avenidas e praças. Os moradores também se organizaram para dar manutenção nas áreas verdes do bairro e participar de outros debates sobre transporte e controle da expansão da região, propondo medidas sobre a construção de prédios menores e a transformação de casas abandonadas em moradias coletivas. Além disso, o grupo solicitou à prefeitura (que acatou o pedido) para que o bairro fosse considerado preferencialmente residencial. (ver mais em vamoscomermelhor.com.br).
É a partir dessa vontade de transformar o local emque se vive, que as ideias surgem no coletivo. Uma proposta de ecobairro deve ter entre suas premissas, a disposição para articular com os moradores a viabilidadede desenvolver ações sustentáveis na própria comunidade. Nesta direção, o passo seguinte é identificar quais as melhorias necessárias e possíveis deserem implementadas no bairro. É importante mapear o lugar cotidiano para obter informações consistentes e depois estabelecer conexões com outras iniciativas, instituições, pessoas e lideranças que possam contribuir para as práticas sustentáveis pretendidas.
Essas escalas de procedimentos ajudam a compreender que as transformações desejadas devem ter suas raízes em cada indivíduo e só depois deve-se expandir para as casas, para o quarteirão, para o bairro e paraa cidade. A dimensão do indivíduo representa o envolvimento dos moradores na proposta. A casa, que representa a morada de cada participante, consiste na primeira célula em que o indivíduo atua diretamente nos princípios que formam a base do projeto. O quarteirão será a primeira ampliação para além do núcleo familiar dos participantes. É, pontualmente, aqui que se iniciam as relações de vizinhança e também o contato com outras questões acerca do espaço público e dos demais aspectos urbanos. O bairro, formado pelo conjunto de quarteirões, amplia ainda mais a dimensão e o alcance das ações, contemplando a ideia central de um projeto ecobairro e seu potencial de expansão para as demais áreas da cidade.
Estabelecer parcerias é fundamental para fortalecer as possibilidades de executar o projeto. As universidades, as organizações não governamentais, as associações de bairro, a igreja, as instituições privadas e o poder público local são parceiros importantes para uma empreitada de ecobairro. Algumas experiências mostram o quanto projetos bem estruturados e planejados com participação coletiva têm alcançado resultados transformadores. Um bom case para demonstrar esse êxito é o projeto de compostagem comunitária desenvolvido na Vila Mariana (São Paulo-SP). Em 2019, o projeto iniciou com uma oficina-mutirão e prosseguiu se sustentando pela contribuição dos vizinhos, que destinam seus resíduos orgânicos para alimentação de uma composteira termofílica . A prefeitura também dá sua contribuição doando a serrapilheira (material de poda de árvores triturado). Atualmente, o projeto conta com três composteiras instaladas em espaço público e o composto (recurso agrícola de alto valor resultante da compostagem) é utilizado para adubar as árvores do bairro e uma horta com ervas e temperos, que foi criada em paralelo ao processo de compostagem.
Para aproximar essas experiências à nossa própria realidade, imagine se a região em que você mora ou os espaços que você percorre todos os dias, oferecesse-lhe a oportunidade de apreciar uma bela horta comunitária, áreas públicas arborizadas com vegetação típica do seu bioma, espaços de incentivo à leitura e à participação no mundo das artes, contemplando dança, música, teatro e pintura.
Há quem diga que pensar assim é devaneio, masse você parar para refletir, isso é puro direito social, embora isso prospere em passos lentos. Entretanto, é justamente neste contexto que rivalizam o sentimento de descrença e as garantias de direito à educação e à cultura. Ainda que não esteja tão claro para todos os cidadãos, é necessário que esse patamar de consciência sobre os direitos sociais seja transformado tanto na geração atual quanto nas que virão.
Toda essa noção de transformação em rede é importante para compreendermos que a proposta não pode ser meramente estética, mas fundamentalmente crítica e atitudinal. Isso significa dizer que as experiências ecobairro, assim como as práticas de Educação Ambiental, não se resumem apenas na aparência (naquilo que se vê) ou no discurso (naquilo que se profere), mas compreende uma mudança efetiva de postura e de pensamento sobre o que, de fato, está acontecendo com o nosso meio ambiente.
Portanto, o debate socioambiental é (e sempre será) um processo educativo necessário para estimular as pessoas a refletirem, desde a dimensão local, sobre qual é a sua contribuição para manter ou transformar o cenário à sua volta, sobretudo, a saberem como agir diante dos problemas socioambientais diariamente anunciados.
A essência das experiências ecobairro consiste em propor ações equilibradas para que a sustentação emerja dentro de uma dinâmica sistêmica de pequenas e importantes práticas, que começa a partir daquilo que você acredita que pode ser transformado para melhor. Isso somente ganha força no movimento coletivo à medida que a comunidade se posiciona e se compromete a fazer alguma coisa.