Por Ricardo Almeida
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia trouxe diversos avanços nos modos de vida da humanidade, possibilitando a realização de atividades nunca antes imaginadas.Surgiram mudanças, conforto e muitos benefícios, mas emergiram também problemas ambientais graves. Por um lado, o uso da ciência e da tecnologia tem como finalidade o acúmulo de riqueza material, deixando rastros nebulosos pelo caminho. Por outro, busca solução para reparar os danos causados à sociedade e ao meio ambiente.
São desafios que transitam em vias paradoxais, uma vez que ora são problemas que dão sentido à realização de pesquisas, ora figuram-se como problemas que assolam a população. No primeiro cenário, os fatos mostram que é necessário interromper os recorrentes ciclos de agressão à natureza (desenvolvimento de biofertilizantes, uso de técnicas agroecológicas e reflorestamento, compreensão das relações biológicas que ocorrem no meio ambiente, entre outros). No segundo,os impactos negativos no meio ambiente recaem sobre a sociedade, mostrando sua força de destruição do planeta (contaminação de rios, degradação do solo, inundações em períodos de chuva e proliferação de endemias). Ambos os cenários carecem de enfrentamento e solução.
O campo da ecologia tem mostrado, por meio de estudos científicos, a eficácia e as vantagens de investimentos em técnicas agroecológicas na produção de alimentos. A agroecologia é uma ciência que propõe práticas agrícolas capazes de conviver respeitosamente com o ecossistema, mantendo uma visão social e ambiental equilibrada na sua lógica de produção (SUSTENTAREA, 2019) ¹. Tal equilíbrio se dá entre plantas, solo, luz e outros organismos, além do uso de tecnologias que pouco dependem de insumos externos. A prática agroecológica pode ser aplicada tanto na produção do campo como em áreas urbanas e periurbanas, permitindo rotação de culturas e associação de diferentes cultivos.
Portanto, a agroecologia busca preservar a biodiversidade presente no ambiente, conciliando as espécies, de modo que o agricultor possa, ao mesmo tempo, diversificar sua produção sem provocar desequilíbrio no ecossistema. Entre os benefícios do modelo agroecológico, podemos destacar: o solo não é excessivamente prejudicado; o processo de nutrição das plantas ocorre de maneira equilibrada; não há uso de agrotóxicos, haja vista que o controle é feito de forma mais natural e sem eliminação de espécies; os alimentos têm aumentada a sua qualidade biológica (são mais naturais); predomínio da harmonia entre recursos animais e naturais.
Para além de uma disciplina científica, a agroecologia fundamenta-se na preocupação de otimizar o uso dos recursos naturais e de promover o respeito à biodiversidade nas práticas agrícolas, principalmente aquelas que fazem uso de tecnologias modernas. Estudos da Embrapa² sobre sistemas de produção sustentáveis mostram que as interações ecológicas e econômicas, envolvendo diferentes componentes, são alternativas viáveis e contribuem para a segurança alimentar e o bem-estar social e econômico de produtores rurais, bem como para a conservação ambiental. No entanto, apesar do reconhecimento da técnica no meio acadêmico e científico, é necessário levar essa tecnologia para a realidade rural, cujo objetivo é mostrar que o sistema reúne condições sustentáveis e viabilidade econômica.
Indo um pouco mais além, a agroecologia propõe um movimento de empoderamento do agricultor, cuja base sociopolítica e socioambiental tende a fortalecer a identidade e as raízes culturais do homem do campo, para que ele, enquanto protagonista no processo produtivo, tenha aumentada sua autonomia e seu poder de decisão em relação às melhores práticas que associam cultivo e preservação ambiental. É, portanto, uma ciência essencialmente integradora, capaz de agregar tanto os conhecimentos de outras ciências como os saberes populares e tradicionais do campo.
Nesse sentido, a possibilidade de transição de um sistema de cultivo para outro é algo que também provoca mudanças na cultura do agricultor e na sua própria visão sobre as práticas de produção, com alcance, inclusive, nas suas tradições e modos de vida. A adoção do modelo agroecológico no campo, é uma transição que pode ser compreendida como uma interferência benéfica da ciência e tecnologia, uma vez que, ao promover a transformação nas técnicas de produção agrícola, ampliasse também o grau de conhecimento do agricultor sobre a terra e as demais relações biológicas presentes no processo de produção.
Além disso, o ato de migrar para um modelo de cultivo mais sustentável, oportuniza aos próprios produtores envolvidos o reconhecimento de que priorizar o ganho financeiro em detrimento do meio ambiente é algo que, muito mais que riqueza material, gera empobrecimento e privação de direitos humanos para uma parcela muito maior da sociedade.
O sistema que rege a orquestra do lucro e da degradação (humana e ambiental)parece realmente não entender sobre finitude e continua acelerando os seus gestos de maestro, mesmo sabendo que sua música rende, no final das contas, aplausos à custa de muitas dores. Há quem diga que o show tem que continuar, mesmo sabendo que os acontecimentos vão saindo do controle. Será que o ritmo não poderia ser outro? Será que o show não poderia continuar sem perder a razão? Afinal, duetos e coros não são mais interessantes quando o solo já perdeu emoção?
Fontes:
¹Núcleo de extensão da USP sobre alimentação saudável. Disponível em:
www.fsp.usp.br/sustentarea/2019/11/20/agroecologia-agrofloresta-e-biodinamico/. Acesso em: 10 mar. 2022.
²Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Boas práticas agrícolas: sistemas agroflorestais - conceitos e considerações. Disponível em:
https://www.embrapa.br/documents/10180/13599347/ID16.pdf. Acesso em: 12 mar. 2022.