Por Lis Oliveira
Turismóloga (PUC Minas), já estudou na Finlândia e foi counselour da YMCA (ACM) de Houston, TX. É mãe de três filhos e atualmente representa a Revista Mulheres no Sul de Minas.


Tão antiga quanto a própria história, a cerveja é sem dúvida uma das bebidas mais apreciadas pela humanidade e que acaba, para o bem ou mal (risos), embalando muitos causos, relacionamentos e, acima de tudo, a amizade de muitos. 

As origens da cerveja remontam às origens da civilização. Com uma pesquisa rápida, verificamos uma variação de datas que apontam uma idade de 5500 - 7000 anos a.C., porém num Workchopp (isso mesmo!) do qual tive o prazer de ser expectadora, o pós-doutor em Microbiologia Francisco Costa contou que já foram encontrados registros arqueológicos ainda mais antigos, datando de 9.500 a 10.000 a.C., no Egito Antigo! Demonstrando assim ser este líquido dourado (entre outras variações) a bebida mais antiga do planeta, juntamente com o delicioso Hidromel. 

O que era a cerveja? Cozinhava-se o grão para extrair o açúcar (normalmente utilizava-se trigo, cevada... o que houvesse de grãos), usava-se a água da chuva, pois ninguém tinha conhecimento de Microbiologia – inclusive uma receita antiga do naturalista Plínio, o Velho, orientava: “Guardar a água que desce do telhado das primeiras chuvas”, porque o fermento estava nas telhas! Muitos morriam de cólera, pois não sabiam que bastava ferver a água. Como para a cerveja fervia-se a água e ainda se produzia o álcool, a cerveja manteve a população viva! Podemos dizer que a humanidade ainda está viva graças à cerveja!

Na Europa havia duas opções seguras: Ingerir cerveja ou vinho – a Igreja preconizava a cerveja para a população ficar saudável, no entanto à tarde estavam todos embriagados. Então vieram os anglicanos, adventistas e trouxeram outra bebida para fazer concorrência à cerveja: o café! Que não embriagava, produzia-se mais e também era feito com água fervida. Só posteriormente entenderam que bastava ferver a água! 

A cerveja passou para o universo masculino, entretanto antes disso uma monja descobriu como conservar a bebida, porque antes disso precisava ser consumida em até no máximo uma semana (sem maturação; antes mesmo de chegar ao sabor adequado) porque ela avinagrava. Hildegard von Bingen – beneditina; filósofa; botânica; musicista; médica; roteirista e teóloga, no mínimo à frente de seu tempo, deixou livros em todas estas áreas e estudou uma planta que estavam trazendo da Ásia, parente da Cannabis: Foi ela a responsável pela receita básica hoje utilizada no mundo inteiro, com a adição do lúpulo, que com suas propriedades antibacterianas prolongava a durabilidade da cerveja. Tanto é que hoje em dia fala-se de cervejas de guarda, são elas tipos que precisaríamos esperar um ano para consumir. Desde então, o mundo da cerveja viveu uma revolução! Um salve à monja Hildegard! Santa do Lúpulo; padroeira da cerveja!  

Num relato para a Revista Mulheres, Osíris Borges Filho, nosso parceiro, sócio-proprietário e mestre cervejeiro da Cervejaria 7C de Uberaba, contou um pouco da sua história a frente desta cervejaria, que começou “na panela”, em casa, em 2014. Quatro anos depois, transformando o hobby em profissão, nasceu a 7C, movida por sua paixão pela cerveja artesanal diferenciada, com rosto e identidade próprias, não-filtrada, sem adição de antioxidantes ou conservantes, na intenção de fugir do lugar comum com criatividade e preservando a pureza dos ingredientes específicos. Hoje Osiris e seus sócios Oswaldo e Luiz Alberto se orgulham da média de produção de 2.500 Litros/mês e das cinco cervejas de linha produzidas pela 7C, a Tornado (American Ipa,), a Uberaba Pilsen, a Hellbeer (red Ale), A Dama da Noite (Schwarzbier) e a Summertime (Munich Helles) cuja aparência dourada, aroma doce e limpo, paladar suave, maltoso e de amargor baixo lhe renderam o prêmio de 3º lugar no Best of Show da Oktoberlândia. 

Osiris Borges Filho, mestre cervejeiro, com seus sócios da Cervejaria 7C, Luiz Alberto de Oliveira e Oswaldo Abraão.


Eu conversei com Luciana Guimarães, CEO da cervejaria Pós Doc, esposa de Francisco Costa, mestre cervejeiro e pós-doutor em Microbiologia (vem daí este nome criativo!). A Pós Doc, além de super valorizar a história e cultura local, trazendo de tudo isso um pouco nos seus rótulos e receitas (eu já degustei uma de café e outra de tomate de árvore!), é a 1ª empresa de Economia Criativa na Incubadora Municipal / POITEC Santa Rita do Sapucaí; 1ª cervejaria do Brasil autorizada e registrada pelo MAPA para funcionamento e incubadora de empresas e Patrimônio Imaterial da cidade. A história deles reflete o (pré) conceito de muitos, uma vez que não consumiam a bebida por não gostarem do sabor dos rótulos populares, que infelizmente entregavam baixíssima qualidade até meados de 2011, 2012. Até hoje a maior parte das pessoas não tem conhecimento dos aromas, sabores e possibilidades de harmonização e até ainda se referem de forma pejorativa a esta prática de consumo, sendo que na realidade há no mercado cervejas tão sofisticadas e caras quanto os vinhos. Luciana e eu convidamos vocês a olhar a cerveja com outros olhos, considerar a sua versatilidade de harmonização desde uma entrada até a sobremesa, deixando-se encantar pelas explosões de sabores que nos proporcionam! As harmonizações corretamente orientadas elevam tanto a qualidade dos pratos quanto das bebidas, revelando experiências singulares que são um pouco do que causa a esta colunista que vos fala todo um encantamento por este Universo. Cerveja é cultura! 

Luciana Guimarães, CEO da Cervejaria Pós Doc e Francisco Costa, cervejeiro e pós-doutor em Microbiologia. Foto Nilde Pardim


Tive a sorte de conversar também com a Fabiana Bontempo. Ela começou a fazer cerveja por influência do pai, que em 2010 adquiriu um equipamento semiprofissional, convidou os filhos para auxiliar na produção e somente a Fabiana topou! Encantou-se com o processo, com as matérias primas e desde então não parou de pesquisar sobre a produção de cerveja, fazendo cursos livres até abrir sua própria cervejaria em 2014, a Brücke. Formada em Turismo (como eu!), estudou Moda, tinha uma confecção e largou tudo, começando a juntar recursos para comprar equipamentos pra fabricação de cervejas. Ela iniciou como uma cervejaria cigana na VM Beer, que tinha como proprietários Alfredo Figueiredo e Marco Antônio Castelo Branco. Posteriormente eles tornaram-se sócios da Krugbier e Fabiana então arrendou aqueles equipamentos e assumiu a cervejaria, foi quando a Brücke ganhou uma produção mensal de quatro mil litros de cervejas muito especiais, diferenciadas por conta do pequeno volume de produção, que durou cinco anos. Nesse meio tempo, ela estudou tecnologia cervejeira na Escola Superior de Cerveja e Malte de Blumenau, formando-se também sommelier.

Quando encerrou as atividades da Brücke em 2019, foi convidada por Alfredo para trabalhar como embaixadora e cervejeira da Krugbier, representando a empresa em eventos, ministrando treinamentos, desenvolvendo o relacionamento com os clientes, trazendo informações sobre as cervejas, principalmente na brigada de vários restaurantes. Essas práticas abriram novos caminhos, levando Fabiana a perceber que, para além de fazer a bebida, ela gostava muito de falar sobre o assunto, recebendo sempre muitos feedbacks positivos sobre sua didática para jantares harmonizados, conciliando assim sua profissão a uma prática que para ela é muito prazerosa. Responsável pelo controle de qualidade, análise sensorial, sua formação mais recente é a de Mestre em Estilos, certificada pelo Instituto da Cerveja de São Paulo, do qual é também coordenadora; ela também dá aulas na Escola Mineira de Sommelieria. Fabiana Bontempo é jurada convidada do Concurso de Cervejas há alguns anos e em 2023 recebeu um prêmio da Comenda Brasileira de Cerveja, concedido pela Associação Blumenauense de Turismo dedicado aos profissionais de maior relevância do mercado para a divulgação da cultura cervejeira no país.

Fabiana Bontempo. Foto João Couto


Priscilla Colares, assim como Luciana e tantas outras, também não gostava de cerveja; preferia destilados até experimentar pela primeira vez um tipo diferente, de trigo, o que a fez questionar o que de fato é uma cerveja. A paixão foi crescendo à medida que experimentava novas receitas e morar fora por três anos ampliou seu paladar para uma diversidade de sabores. O ato de degustar acabou tornando-se um hobby, encontrou-se extremamente curiosa e um pouco frustrada por ter demorado tanto tempo para descobrir esses novos universos paralelos dentro de um copo. Ao retornar ao Brasil, descobriu um cenário em efervescência, com muitas cervejarias e pessoas que também estavam descobrindo a realidade desta bebida preciosa. Investiu mais tempo no hobby, viajando de norte a sul e hoje, onze anos após seu primeiro curso, percebe que a profissão de sommelier estimula sua curiosidade e lhe permite explorar e aprender desde o processo de produção até o marketing e vendas, além de aspectos históricos e culturais. 

Priscilla é a segunda mulher no Brasil a receber a certificação americana Certified Cicerone, título reconhecido mundialmente como padrão de excelência no mercado cervejeiro. Passar nesta prova exigiu um conhecimento detalhado sobre diversos aspectos da cerveja, desde seu armazenamento e serviço até questões de insumos, processo produtivo, identificação de sabores apropriados e inadequados e harmonizações. “Apesar de todas as realizações, reconheço que há muitos desafios no caminho. O investimento na profissão é alto e nem sempre o retorno financeiro é equivalente. Infelizmente o brasileiro, mesmo com condições financeiras, consome muita cerveja de baixa qualidade. É extremamente dispare a qualidade da cerveja média no Brasil comparado com países como a Bélgica, Holanda, Alemanha e República Tcheca, por exemplo. Parece um eterno mito da caverna de Platão... A quantidade e baixo valor acaba sendo priorizada à qualidade. Seria importante ter mais cervejas de qualidade a preços mais acessíveis, mas aí entra o custo de ser um pequeno produtor em um país como o Brasil e lidar com questões culturais criadas por uma indústria gigantesca. É muito difícil.” 

Priscilla Colares, a segunda mulher no Brasil a receber a certificação americana Certified Cicerone. Foto Carlos Hauak


Conhecendo a extensão do trabalho de cada uma dessas mulheres, percebemos como é definitivamente mais agradável atuar em uma área de interesse e o quão gratificante é poder compartilhar esse conhecimento com outras pessoas – isso fica muito claro pra mim, sendo um dos pontos em comum das três entrevistas. Seja em eventos, cursos ou nas redes sociais, elas rompem barreiras, quebram tabus e deixam um legado de sabedoria e técnica que atrai cada vez mais adeptos e adeptas à cultura cervejeira, em constante pesquisa e evolução. Cheers! Um brinde a estas profissionais inspiradoras!