Por Ilcéa Borba Marquez
Psicóloga e psicanalista. Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro
Sempre tive vida ativa na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus e de Santo Antônio e São Sebastião aqui em Uberaba – MG, a partir do exemplo materno de devoção e envolvimento na vida pastoral da referida diocese bem como da minha facilidade de representar scripts de cenas propostas. Na oportunidade, o Padre Flávio Silva elaborava, enquanto sacerdote do corpo paroquial, encenações de fundo moralizante e/ou históricos para apresentação no recinto da paroquia e eu era sempre convidada a participar do elenco. Essas encenações acompanhavam o calendário litúrgico e dava oportunidade de transmissão das mensagens bíblicas.
Os três pastorinhos videntes de Fátima Lúcia (à esq.) junto a seus primos Francisco e Jacinta / foto: Lúcia (site oficial)
Quando a autêntica imagem de Nossa Senhora de Fátima visitou nossa cidade representei uma das pastorinhas – Jacinta - mais precisamente. Recebemos a imagem na Estação Ferroviária e levamos até a Catedral numa caminhonete preparada com um altar na carroceria. Dessa forma, a história das videntes de Fátima fez parte, muito cedo na minha história.
Estátua de Nossa Senhora de Fátima
Neste ano de 2024 comemoramos em 13/05 cento e sete anos do referido evento ou seja: aparição da Virgem Maria na Cova da Iria em Fátima - Portugal para Jacinta, Francisco e Lucia respectivamente que pastoreavam ovelhas no local. Isto se repetiu pelos próximos seis meses ou seja: em 13/05; 13/06; 13/07; 13/08 e 13/09; no mês de outubro a virgem apareceu no dia 19 porque as crianças estavam encarceradas! A notícia se espalhou e na última aparição uma multidão de 70.000, aproximadamente, aguardava a Virgem Maria que apenas os videntes viam e/ou ouviam. A turba queria participar também e ameaçaram castigos a todos videntes, caso fosse constatada mentira.
Neste dia a multidão pode observar uma movimentação extraordinária do sol, o que certificou a veracidade do comunicado das três crianças bem como a possibilidade de eventos misteriosos, fora da racionalidade, ocorrerem realmente. O sol parecia brincar indo para cima e para baixo; de um lado para o outro assustando a turba, pois ele se precipitou em direção à terra. Mais interessante ainda foi a calma das crianças permanecendo ajoelhadas, concentradas, enquanto a multidão corria de um lado para o outro gritando, chorando, com muito medo. Esse evento ficou conhecido como “O milagre do sol” e a atitude das pastorinhas ao continuar em comunicação com a Senhora Bonita da visão, sem nenhuma demonstração de medo e desejo de fugir dali, confirmava assim suas crenças no que afirmavam.
A Virgem de Fátima havia previsto a morte prematura de Francisco e Jacinta bem como a permanência de Lucia. Tanto Francisco quanto Jacinta morreram com 10 anos por motivo de doença: Francisco foi acometido por pneumonia e Jacinta não tem o registro médico. Essas mortes confirmaram as palavras da virgem ao prepará-los para grande sofrimento antes que ela os buscasse.
O médico que atendeu a Jacinta deixou registro da valentia e força da criança ao suportar dores fortes nos procedimentos necessários durante o tratamento sem choro ou reclamações. Ele estranhou a quietude de uma criança de apenas 10 anos que havia acreditado na profecia da Senhora Bonita, “a levarei para o céu brevemente”, como a denominaram, na cova da Iria.
Essa merece título próprio pelos acontecimentos vividos e pelo tempo de vida. Morreu aos 93 anos de idade, em 2005 e durante todo esse tempo foi a guardiã dos “três segredos de Fátima”. Esses só foram revelados em sua totalidade com a participação efetiva do Papa João Paulo II em 2000.
Irmã Lúcia - Foto Lúcia (site oficial)
Desacreditadas no início, foram ganhando apoio popular e credibilidade resultando em se tornarem conhecidas mundialmente, sempre procuradas para reportagens e/ou previsões anuais.
O primeiro padre a ouvir o depoimento das crianças foi o confessor da aldeia que orientou a Irmã Lucia a escrever diretamente ao Papa relatando todos os detalhes das aparições e das mensagens dadas pela Senhora. O Papa Paulo VI não só acreditou nas palavras dos pastorinhos como também deu sustentação indireta da igreja ao orientar a manutenção das versões divulgadas que davam força ao movimento católico. Eram três crianças, humildes, vivendo no campo, criando ovelhas, simples e convincentes. O estilo de vida que mantiveram durante todo o tempo bem como as atitudes diante das adversidades reforçaram a crença popular nos relatos das aparições. O povo acreditou e a Igreja não refutou, apesar de não apoiar oficialmente.
Nessa época o futuro Papa João Paulo II, na função de secretário no Vaticano, leu a carta da Vidente Lúcia orientando-a a entrar para o Convento das Carmelitas - Coimbra em Clausura, objetivando uma vida de oração protegida do acesso irrestrito do povo extremamente invasivo e sem limites. Nessa época a irmã Lúcia não podia aparecer ou sair à rua: uma multidão se formava ao seu redor pedindo benção e/ou milagres, querendo beijá-la ou ser abençoada! Ela se sentia ameaçada!
João Paulo II e Irmã Fátima - foto Lúcia (site oficial)
O Papa e seus predecessores tentaram desencorajar a divulgação das mensagens da Senhora de Fátima aos videntes, mas o povo obteve essas informações e, a partir de então, pressionava a única sobrevivente a revelar todas as conversas tidas com a Virgem. Essas eram profecias de castigos em função dos pecados e pecadores.
O PRIMEIRO SEGREDO a visão do inferno
O SEGUNDO SEGREDO – o pedido da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria – conversão da Rússia.
O TERCEIRO SEGREDO – a destruição da Igreja – a morte do Papa.
O Papa João Paulo II foi quem sempre deu atenção à Irmã Lúcia em suas mensagens e atuação. Durante seu papado de 1981, 1982 e 1984 fez a consagração pública da Rússia ao Imaculado Coração de Maria em frente aos Bispos e divulgou sobremaneira a importância do Rosário como elemento de ligação à Maria – aquela que trouxe ao mundo o Salvador – Jesus Cristo. Chegar ao Redentor pelo do Coração de Maria através da recitação do Santo Rosário.
Nesta época tivemos aqui em Uberaba, sob a liderança da minha mãe Sylvia de Andrade Borba, um incremento à devoção ao Santo Rosário durante o mês de outubro. Anualmente ela liderava com um grupo de companheiras à Festa do Rosário: quinze dias com a recitação de um rosário por dia e no final, a entrega solene e simbólica dos quinze rosários juntamente com os pedidos ao Imaculado Coração de Maria. Essa solenidade festiva terminava com os grupos das Igrejas do Rosário em união com aqueles que se devotavam também à sua força como mediador entre a população devota e a recitação de Aves Maria.
Irmã Lúcia e Nossa Senhora de Fátima - foto Lúcia (site oficial)
De 1957 a 1960 a Irmã Lúcia desapareceu das notícias e publicações e em 1967 uma “suposta” Irmã Lucia teve uma entrevista com o Papa Paulo VI que a encaminhou ao Bispo da sua diocese. Em 1961 foi convocado através da Constituição Apostólica “Humanae salutis” pelo Papa João XXIII o Concílio Vaticano II, que objetivava dar um novo dinamismo à Igreja, sendo ele promovido pela volta às origens arrefecidas em detrimento do clericalismo e do carreirismo eclesial. Durante os cinco anos de duração do papado de João XXIII não tivemos notícias da Irmã Lúcia, e só em 1967 ela tem um encontro com o Papa Paulo VI que a orienta a um estranho encontro com o Bispo, uma vez que já sabia que era uma outra, ou seja, uma falsa Irmã Lucia.
O SOL COMO SIMBOLO
Esses fatos históricos decorrentes da presença dos três pastores na vida dos portugueses, bem como na vida dos católicos, abrem temas de discussão sobre o sol - símbolo da Irmã Lucia e da Igreja de Fátima; sobre os três segredos de Fátima com data marcada para divulgação, inicialmente 1967 e só revelados em 2000 com o Papa João Paulo II; a Santa do Povo – Irmã Lúcia – como é considerada até hoje. Vale lembrar que tanto Francisco quanto Jacinta foram canonizados, restando apenas Lúcia que a sabedoria popular consagrou como Santa. O sol se tornou símbolo da Irmã Lúcia e da Igreja de Fátima. A mensagem de Fátima ocupa um lugar importante na crença popular. A Irmã Lucia é considerada a Santa do Povo.