Guido Bilharinho


A localização estratégico-geográfica de Uberaba, posicionada, conforme Bustamante Lourenço, na “intersecção entre dois sistemas dendríticos”, o que partia de São Paulo e o que partia do Rio de Janeiro via São João del Rei, sendo “intermediária entre duas cidades primazes – Rio de Janeiro e São Paulo – e três regiões – Triângulo, Goiás e Mato Grosso”, tornou-a “centro regional do Império”, no dizer do citado historiador1, transformando-a, segundo Eliane Marquês de Resende, “em polo econômico importante para as transações comerciais do Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso”, que se abasteciam “em Uberaba e aí vendiam seus produtos de origem2.

Desse dinamismo econômico derivaram, como sói acontecer, desenvolvimento social e cultural, atraindo para Uberaba e região não apenas agropecuaristas e comerciantes, mas também intelectuais, que lhe imprimiram estrutura e densidade urbana.

Nesses parâmetros e dada a intensidade das manifestações de toda ordem ocorridas nos dois séculos de existência e desenvolvimento da cidade, selecionaram-se e destacaram-se apenas a atuação e as conexões nacionais e, em certos casos, até internacionais de alguns uberabenses que mais se fizeram notar.

Dentre eles e seus atos, ressaltam-se:

 

Antônio Eustáquio da Silva Oliveira (major Eustáquio, 1770-1832), fundador da cidade, distinguindo-se tanto pelas medidas administrativas e empresariais levadas a efeito para promover e definir o então pequeno povoado como polo comercial de todo o Brasil Central quanto por ser um Távora, uma das duas ou três mais importantes famílias portuguesas, perseguida pelo rei d. José I e seu ministro marquês de Pombal, em decorrência do que seu pai, d. João Silveira Távora, refugiou-se no Brasil, alterando seu nome.

 Major Eustáquio

Vigário Silva (cônego Antônio José da Silva, cujas datas de nascimento e falecimento não se sabe ao certo, pressupondo-se tenha falecido em 1858), vigário da paróquia de Uberaba de 1820 a 1852, com intensa participação eclesiástica, político-administrativa e intelectual na cidade, onde também foi vereador, presidente do partido Conservador, deputado provincial e, segundo Hildebrando Pontes3, também eleito à Câmara Alta no Rio de Janeiro, além de poeta e primeiro historiador da cidade, alçado de Uberaba a cônego honorário da Capela Imperial, no Rio de Janeiro.


Vigário Silva

 

Antônio Borges Sampaio (1827-1908), português que chegou a Uberaba em 1847, aos vinte anos de idade, e logo se tornou um dos propulsores de seu desenvolvimento, destacando-se nacionalmente, desde 1850, como correspondente até 1861 de vários jornais da Corte e de Niterói, tornando-se a partir desse ano correspondente do Jornal do Comércio até seu falecimento, tendo inúmeras de suas matérias merecido a primeira página com manchetes de oito colunas, a exemplo das reportagens sobre a reunião, em Uberaba, das forças militares destinadas à invasão do norte paraguaio por ocasião da guerra movida pelo Brasil, Argentina e Uruguai contra aquele pequeno país.

 Antônio Borges Sampaio

Antônio Cesário da Silva e Oliveira (major Cesário, 1842-1925), advogado, jornalista, autor de livros de história regional, música e direito, compositor que ao ouvir uma de suas músicas, a peça “Juízo Final”, d. Pedro II concedeu-lhe de imediato bolsa de estudo na Europa, é personagem, o único com seu próprio nome, do romance Inocência (1872), do visconde de Taunay, que o conheceu e com ele conviveu no decorrer dos dois meses em que permaneceu em Uberaba, aguardando a reunião e avanço das tropas para a invasão do norte do Paraguai, do que resultou A Retirada da Laguna, fato da guerra e também obra de Taunay.

 

Frederico Maurício Draenert (1838-1903), sábio alemão contratado para dirigir, nos meados da década de 1890, o Instituto Zootécnico de Uberaba, aqui falecendo e que, entre outras coisas, foi descobridor da existência da bactéria no reino vegetal e autor de ensaios climatológicos de envergadura científica universal, a exemplo de O Tempo em Uberaba (1903), considerando o melhor ensaio existente sobre o clima subtropical, e O Clima do Brasil, este citado por Euclides da Cunha em Os Sertões, além de escrever e publicar na imprensa do país mais de 1.000 (mil) artigos sobre temas de sua especialidade, que desafiam buscas e reclamam publicação, pelo menos parcial, em livro.

 Frederico Maurício Draenert

José Ferreira (1864-1951), que, além de sua relevância profissional, empresarial e social em Uberaba, estagiou, em 1889, no Instituto Pasteur, em Paris, trabalhando com Pasteur, e, posteriormente, em 1911/1912, praticando nos principais hospitais de Paris, Berlim e Viena, os mais evoluídos centros médicos de então, de onde voltou, informa José Soares Bilharinho, “capaz de realizar toda cirurgia possível em seu tempo4, tornando-se um dos melhores médicos do país.

 

João Teixeira Álvares (1860-1940), fundador do primeiro hospital particular de Uberaba em 1905, e inventor do embriótomo, instrumento para solucionar certos tipos de partos, apresentado e aprovado em reunião geral da Sociedade Obstétrica da França, em 1892, e autor, ainda, além de outras obras, das peças teatrais Montezuma (1909) e Eleusa (1913), tendo verbete no clássico O Teatro no Brasil (1960), de J. Galante de Sousa.

 

Felício Buarque, José Felício Buarque de Macedo (1865-?), advogado, promotor, jurista, nascido em Alagoas. Antes de transferir residência para o Rio de Janeiro e posteriormente para Uberaba, teve atuação intensa em Alagoas e Pernambuco, onde publicou o livro Origens Republicanas em 1894, possivelmente o primeiro no país sobre o assunto, para contraditar a obra O Imperador no Exílio, de Afonso Celso Júnior. Em Uberaba, a par da atuação na promotoria e na advocacia (o que então era permitido), foi presidente do Grêmio Literário Bernardo Guimarães, editor da Revista de Uberaba e autor de Folhas Soltas (poesia, 1906) e de livros jurídicos quase certamente pioneiros no país pelos temas: Divisão e Demarcação de Terras do Domínio Privado (1908) e Tapumes Rurais (1916).1

 

João Henrique Sampaio Vieira da Silva (1896-1974), que, cearense formado em medicina no Rio, veio para Uberaba, sendo três anos depois, na década de 1920, agente executivo (prefeito) da cidade e, ainda nessa década, deputado estadual quando, por lei de sua iniciativa, foram criados em Minas os centros de saúde e, posteriormente, nas décadas de 1930 e 1940, deputado federal, quando, nessa última legislatura, na qualidade de presidente da Comissão de Diplomacia saudou o Presidente ianque Truman em visita ao país, representou o Brasil na Conferência de Bogotá, que, em 1948, criou a O. E. A., sendo eleito por unanimidade presidente da Comissão Cultural, exercendo, ainda, nos anos seguintes, a presidência do Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais, onde criou a caderneta de poupança e a SASSE, órgão segurador da Caixa.

 João Henrique Sampaio

Joubert de Carvalho (1900-1977), autor de aproximadamente setecentas composições musicais, algumas das quais marcaram época e empolgaram o país, notadamente nas décadas de 1920, 30 e 40, a exemplo de “Maringá”, de tanto sucesso que deu o nome à cidade do Paraná, “Taí”, “De Papo Pro Á”, “Zíngara” e “Pierrô”, interpretadas pelos maiores cantores e cantoras da época, como Francisco Alves, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Cármem Miranda, Jorge Fernandes e Gastão Formenti.


Joubert de Carvalho

Reis Júnior (José Maria dos, 1903-1985), conhecido pintor, autor de centenas de quadros, principalmente retratos e paisagens, entre os quais destacam-se o monumental e vigoroso “A Retirada da Laguna” (1923), de propriedade da Câmara Municipal de Uberaba, e o “Retrato de Piolim”, sendo autor da primeira História da Pintura no Brasil, editada em 1944, contendo mais de trezentos reproduções de obras pictóricas.

 

Leopoldino de Oliveira (1893-1929)advogado e político, vereador e agente-executivo (prefeito) de Uberaba e simultaneamente deputado federal na década de 1920, tornando-se administrador-padrão e revelando-se, como parlamentar, um dos maiores oradores políticos brasileiros, de estilo e contundência tão vigorosos quanto os de Euclides da Cunha, celebrizando-se em todo o país pela acirrada campanha oposicionista desenvolvida na Câmara Federal.

Leopoldino de Oliveira

 

Fidélis Reis (1880-1962), engenheiro agrônomo, jornalista, político, líder empresarial e classista, que, no plano nacional, destacou-se como deputado federal em várias legislaturas no decorrer da década de 1920, notadamente por seu polêmico projeto sobre imigração e como autor da lei que criou no Brasil o ensino técnico-industrial, em razão do qual correspondeu-se com Einstein, além de também com Henry Ford, neste caso por sua contribuição ao progresso como fabricante de veículos.

 

José Mendonça (1904-1968), advogado, professor, jurista e jornalista com mais de 1.500 (mil e quinhentos) artigos publicados, autor de entre outras obras, do clássico A Prova Civil (1940) e de Ação Nacional (1937), que mereceu carta ao autor, artigo e citação encomiástica em conferências por parte de Monteiro Lobato, além de, entre outros, artigos elogiosos de Nélson Werneck Sodré (no Correio Paulistano, de 15.07.1937), Plínio Barreto (no O Estado de S. Paulo, de 03.07.1937), e Carlos Chiachio (em A Tarde, de Salvador/BA, de 15.08.1937), tendo este afirmado que “José Mendonça é quem melhor estuda a nossa realidade precária no momento universal que passa”.


José Mendonça

 

José Soares Bilharinho (1918-1993), médico, político (vereador na legislatura de 1951 a 1954 e candidato a prefeito em 1958), e pesquisador, autor da História da Medicina em Uberaba em nove volumes, que se projetou no plano nacional como editor, em 1952, juntamente com Iguatimozi Cataldi de Sousa, da revista Legislação, Organização, Orientação e Planejamento Municipal, a única no gênero nas Américas, circulando praticamente em todas as prefeituras e câmaras municipais do país, sendo autor, ainda, do livro Planejamento Geral dos Serviços Administrativos Municipais, editado, em 1954, no Rio de Janeiro, pelo DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público, órgão vinculado à Presidência da República), e do livro O Rotary em Ação (1978), que se tornou verdadeiro manual orientador dos clubes rotários do Brasil.

 José Bilharinho

Lúcio Mendonça de Azevedo (1911-1971), irmão de José Mendonça, advogado, jornalista, secretário-geral da prefeitura de Uberaba durante umas três décadas, poeta, contista e letrista de inúmeras composições musicais de autoria de João Vilaça Júnior, projetando-se nacionalmente por meio da mazurca mais popular do país no decorrer dos anos de 1930, 40 e 50, “Vida Marvada”, musicada por Almirante, cuja popularidade é atestada pelo jurista, professor e político Alberto Deodato ao afirmar: “Quem nunca trauteou ou cantou esses versos lindos, com a música linda, que evocam um mundo de saudade, a mais brasileira das canções populares brasileiras?” 

 

Mário Palmério (1916-1996), educador, político, embaixador, romancista, compositor, fundador da Universidade de Uberaba (Uniube), autor dos romances Vila dos Confins (1956), que de imediato o celebrizou nacionalmente, e de Chapadão do Bugre (1965), confirmando seus dons de ficcionista, sendo ainda autor das músicas e letras de inúmeras guarânias, como a conhecida e admirada “Saudade”, além de “No Digas No”, “Vanidosa” “Noche de Asunción” e de várias polcas (a exemplo de “Función Patronal”, “Alborada Campesina” e “Así Bailan los Músicos”) e valsa (“Colación de Grado”).

 Mário Palmério

Válter Campos de Carvalho (1916-1998), romancista, autor de A Lua Vem da Ásia (1956), Vaca de Nariz Sutil (1961), A Chuva Imóvel (1963) e O Púcaro Búlgaro (1964), que se transformaram em culto e lhe outorgaram lugar de destaque na ficção brasileira e o singularizaram como praticante do humor negro, até então não cultivado no país.

 Válter Campos de Carvalho

Chico Xavier (1910-2002), respeitado líder religioso de fama nacional e mundial, autor de mais de 400 (quatrocentos) livros largamente editados e difundidos no país e no exterior, atingindo, segundo consta, mais de 25 (vinte e cinco) milhões de exemplares, cuja vida, obra e atuação vem merecendo cada vez maior número de estudos, ensaios e livros.


Chico Xavier


Aluísio Prata (1920-2011), médico, cientista, professor universitário titular das Universidades Federais da Bahia, Brasília e Triângulo Mineiro, professor colaborador da Universidade da Uberaba e professor visitante da Cornell University nos EE.UU., autoridade mundial em doenças tropicais, membro de inúmeras instituições médicas e científicas do Brasil e do exterior, editor por vários anos da Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, com nada menos de 495 (quatrocentos e noventa e cinco) palestras e participações em cursos, congressos, simpósios, jornadas e reuniões científicas no Brasil e em diversos outros países, além de autor de mais de 500 (quinhentos) ensaios e artigos científicos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros.


Aluísio Prata

De todos eles, apenas Joubert de Carvalho, Reis Júnior e Válter Campos de Carvalho não residiram em Uberaba, de onde se trasferiram na juventude, mas, sempre mantendo contato com a cidade e seus familiares.

Além desses e de outros uberabenses que mais se destacaram no plano nacional, alguns bem recentemente - a exemplo de Cacaso (poeta), Markito (estilista), Mário Prata (escritor), José Duarte Aguiar (arquiteto), Augusto César Vanucci (ator e produtor de teatro e TV), Urbano Lóis (locutor), Dinorá de Carvalho (pianista), Antenógenes Silva (acordeonista), Moacir Laterza (filósofo e teórico da educação), Ronaldo Cunha Campos (jurista), Juvenal Arduini (filósofo), Edson Prata (jurista e publicista), Jacó Pális (matemático) e José Humberto Silva Henriques (ficcionista e poeta) - é de se enfatizar que dos quatro maiores geólogos brasileiros do século XX três foram os uberabenses Glycon de Paiva, Pedro de Moura e Avelino Inácio de Oliveira.

Já nesse caso somente Ronaldo Cunha Campos, Edson Prata, Juvenal Arduini e José Humberto Silva Henriques desenvolveram e o último desenvolve suas atividades em Uberaba.

 

Bibliografia

1 - LOURENÇO, L. A. BUSTAMANTE. A Oeste das Minas. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2002, p. 237 e 239.

2 - RESENDE, E. M. MARQUÊS DE. Uberaba, Uma Trajetória Sócio-Econômica (1811-1910). Uberaba: Arquivo Público de Uberaba, 1991, p. 112.

3 - PONTES, H. História de Uberaba e a Civilização no Brasil Central. Uberaba: Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1970, p. 84.

4 - BILHARINHO, J. S. História da Medicina em Uberaba. Uberaba: Academia de Letras do Triângulo Mineiro e Bolsa de Publicações do Município de Uberaba, Vol. I, 1980, p. 207.

5 - DEODATO, A. “Ô Vida Marvada...”, in Estado de Minas, Belo Horizonte, 1971 - republicado in convergência, Ano VI, nº 7, Uberaba: revista da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1976, p. 43.


Guido Bilharinho

Advogado em Uberaba e autor de livros de literatura, cinema, estudos brasileiros, História do Brasil e regional editados em papel e, desde setembro/2017, um livro por mês no blog Guido Bilharinho.


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