Jornalista Isabel Minaré

Fotos: divulgação Apae


O que os pais são capazes de fazer para proporcionar desenvolvimento, dignidade e respeito aos filhos? O casal Maria de Lourdes Vasquez e Vicente Marino superou as barreiras ao fundar, em 12 de março de 1972, a Apae (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) em Uberaba. O objetivo era propiciar melhores condições de vida à filha Luciana, portadora da síndrome de Down. De lá pra cá, outros pais, mais filhos e muitos amigos se juntaram ao grupo.

A Apae completou 50 anos de lutas por direitos e conquistas, principalmente, nos segmentos de saúde, educação e assistência social. Ela é uma entidade civil, de fins não econômicos e natureza socioassistencial, que se propõe a evitar e tratar deficiências intelectuais de grau moderado a grave em pessoas de qualquer idade. Tem sede própria, situada à avenida Milton Campos, nº 350, no bairro Amoroso Costa, com espaço de 14 mil m², sendo seis mil de área construída. Há salas, piscina coberta, pista de atletismo, quadra poliesportiva, horta, jardim, centros de reabilitação e equoterapia para atender 550 alunos por mês. Tem muita gente, mas mais querendo entrar! A fila de espera é de 100 estudantes e dura um ano em média. A equipe é composta de 115 profissionais (professores, pediatras, neurologistas, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais) e 12 estagiários, sem contar os voluntários que, normalmente, ajudam de casa ou contribuem nas festas.

Alex Ferreira se lembra perfeitamente do dia em que colocou os pés na Apae pela primeira vez. Tinha 22 anos e era recém-formado em fisioterapia. Chegou com muito medo e insegurança. Na mesma medida, entrou com dedicação e vontade de aprender. O desempenho dele chamou a atenção da equipe e logo foi convidado para a coordenação e, depois, direção. Nunca pensou em trabalhar por tanto tempo no mesmo local. “Quando você entra aqui, fica difícil sair”, explica. Hoje, ele é diretor clínico. “Nossa luta é diária para proporcionar saúde, educação, transporte, bem-estar e inclusão.” Tudo tem seu preço e, neste caso, é bem alto. O custo gira em torno de R$ 550 mil por mês. “A Apae não é pública e não tem dinheiro pré-definido. Sobrevive de convênio com o poder público, emendas parlamentares, eventos e doações.” É suficiente? Não. “Nós somos audaciosos. Comprometemos mais do que temos porque somos exigentes e queremos prestar o melhor serviço possível.”Os desafios não terminam nas finanças. A luta é incessante pelos direitos e deveres das pessoas com deficiência. “A gente quer que elas não sejam tratadas com a deficiência, mas dentro da capacidade que possam ter”, conta o diretor clínico. A equipe faz o máximo para que eles possam ser menos dependentes do sistema, do governo, da família e, com isso, conquistem autonomia e autoestima. “A Apae lapida o que eles têm de bom e esquece o que não têm.”

Uma das formas para incentivar a independência é através do Centro Dia “Professora Silvana Elias”. O Centro Dia é uma casa, com quarto, cozinha e sala, montada com diversos móveis, equipamentos e utensílios. Os alunos são treinados, por exemplo, a usar forno e fogão sem deixar o gás vazar, passar a roupa sem se queimar, arrumar a cama sem se machucar. São ações simples do cotidiano, entretanto representam uma evolução múltipla. Em outras palavras: menos traumas e mais dignidade. “Existem alunos que chegam a um ponto onde não há mais salas para recebê-los, pois o desenvolvimento deles, de certa forma, está estabilizado. Eles estão envelhecendo, assim como os pais que, infelizmente, estão morrendo. Então, eles precisam ser acolhidos por outras pessoas e nem todas têm a possibilidade de tratá-los bem e com todo cuidado de que necessitam”, esclarece Virgínia Rezende, presidente da Apae Uberaba. Essa é a quarta vez que ela está na presidência. Guarda na memória grandes êxitos como a ampliação da Escola Luciana (situada dentro da entidade), inauguração da equoterapia e instalação do Centro Dia.

“Aqui não é convite, é laço”. Essa é a melhor definição encontrada pela diretora social Vaniana Helou para explicar a entrada dela na instituição. No primeiro dia, ela participou de uma aula com autistas não verbais. Sem querer, bateu a mão cheia de anéis na mesa. A vibração despertou um dos alunos, que ficou encantado por ela, pelos acessórios e pelo som. Nessa casualidade, nasceram uma comunicação externa, uma grande amizade e um amor além da vida. “Ninguém vai tirar a Apae de mim”, comenta, com os olhos lacrimejados. O choro é leve e o sorriso é imenso ao falar dos eventos, como feijoada, festa junina, noite de caldos e massas. Afinal, são eles que colocam os holofotes voltados para a Apae e geram renda. E, sim, dão muito trabalho para serem feitos. Pedidos de cá, doações de lá. “É no detalhe que fazemos a diferença financeira”, assume. No ano passado, a entidade recebeu uma visita ilustre. Pela primeira vez, em 50 anos, um governador visitou as instalações. O feito histórico coube a Romeu Zema, que doou cerca de R$ 3 mil, parte do seu salário, para a instituição. “O valor não está no dinheiro, mas na presença dele na Apae. Isso não tem preço”, conta Vaniana.

Maria de Lourdes Fedrigo é a funcionária mais antiga da casa. Ela é cozinheira há 33 anos e conhece gostos, personalidades e necessidades de cada um. “Se eu pudesse fazer um pedido, pediria para a comunidade olhar mais para a Apae e fazer mais doações. As pessoas com deficiência precisam e merecem”, confessa. A cozinheira foi uma das homenageadas no evento de 50 anos da entidade. Além dela, ex-presidentes, alunos, equipe e muita gente que foi imprescindível para o crescimento da associação também foram ovacionados. Comemorar o cinquentenário da Apae significou, também. olhar pra trás e assumir que cada esforço foi válido. Se inclusão não é convidar para a festa, mas tirar para dançar, a entidade tem feito isso muito bem e convocado a comunidade.


Alunos do Coral Saiba Viver


APAE - Uberaba - MG


Dr. Francisco Guerra (in memorian) e Virgínia inauguram centro de equoterapia


Virgínia, Alex e Vaniana posam na festa de 50 anos da Apae


Maria de Lourdes Fedrigo (ao centro) é a funcionária mais antiga. Na festa de 50 anos recebeu homenagem das mãos do secretário municipal de saúde Sétimo Boscolo.



Inauguração do primeiro pavilhão da entidade. A obra foi uma doação da construtora Urbano Salomão. Na imagem Urbano está de branco em pé com o filho.


Romeu Zema foi o primeiro governador a visitar a Apae.