Ricardo Almeida
A cidade de Uberaba é berço de muitos talentos. Sua história é repleta de gente valente que conquista seu espaço por meio da arte, da ciência e de tantas outras vocações que priorizam a defesa da vida. Os números tentam confirmar sua grandeza, mas por ser constante nas revelações de seus rebentos, pode-se dizer que suas riquezas são imensuráveis. De acordo com o IBGE, Uberaba tem população estimada em 337 mil habitantes, apresenta Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) calculado em 0,772 e de uma taxa de escolarização de 97,7% (6 a 14 anos de idade).
Embora 2020 tenha sido um ano desafiador, exigindo mudanças de planos e prioridades, os acontecimentos que fecharam a segunda década do século XXI marcaram história e imprimiram um novo ritmo de vida, desafiando a humanidade a cuidar melhor da família, da cidade e do planeta.
Ainda no primeiro tempo, Uberaba fez um gol de placa ao comemorar seu aniversário de 200 anos, com direito a bolo gigante (de 200 quilos) e o prestígio de ídolos do pop nacional e da música sertaneja. Muitos talentos foram convidados a dar sua contribuição. De acordo com a Prefeitura, só a preparação do bolo contou com a dedicação de dezenas de servidores municipais, além de padeiras e auxiliares de padaria. O Show de comemoração do Bicentenário reuniu aproximadamente 30 mil pessoas.
Dias depois, eis que surge uma onda de alertas em saúde pública e recomendações para mudança de comportamento social. Ainda bem que a gente tem consciência da nossa força e do nosso brilho, pois foi por meio deles que seguimos determinados no enfrentamento dos desafios ainda colocados pela pandemia. Não há dúvidas de que a grandeza dessa gente é fruto de uma construção histórica que já supera dois séculos e de uma cidade que acolhe mais de 337 mil pessoas e oportuniza educação para mais de 97 dos seus jovens. Uma verdadeira corrente de cooperação mútua composta por valentes que reconhecem o valor da vida e sabem que às vezes é preciso desacelerar o ritmo para, em seguida, continuar avançando.
Essa valentia deriva da arte, da ciência e da vontade de deixar legados importantes para as próximas gerações. Foi a partir desse pensamento que buscamos uma forma de expressar gratidão e enaltecer histórias de pessoas que exibem com orgulho o gentílico uberabense. Afinal, apesar de ser um ano turbulento, ser grato é o que nos fortalece para o recomeço que vem por aí.
No campo das artes, destacamos um filho de Uberaba chamado Hélvio Fantato (1920-1997), um homem caracterizado pela simplicidade no seu jeito de viver e afabilidade no trato com as pessoas. Um artista modesto e sem pretensão de alcançar publicidade ou receber aplausos, conforme é descrito por Guido Bilharinho.
No acervo de publicações da imprensa brasileira, o sucesso de Hélvio é noticiado com admiração e respeito. Suas obras são vistas como inspiração de um profundo sentido social, que tem a capacidade de traduzir o estado de espírito e as emoções da população (ver mais informações no site do Arquivo Público de Uberaba).
Pintor e escultor, esse valente artista de Uberaba deu forma ao abstrato e construiu seu legado por meio de várias esculturas que enriqueceram o meio ambiente da cidade. Apesar de muitas delas terem sido destruídas pelas enchentes ocorridas ao longo do tempo, ainda é possível contemplar uma de suas esculturas na Praça Santa Rita. Outra de suas obras que continua firme na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE de Uberaba), mostrando o símbolo das mãos em proteção a uma flor.
Na Ciência, destacamos o protagonismo que propõe fortalecer a conexão entre homem e meio ambiente. Trata-se de uma pesquisa que busca entender os benefícios da cavalinha, uma planta popularmente conhecida por suas propriedades diurética, anti-inflamatória e digestiva. A planta é muito rica em potássio, vitamina C e, de acordo com a pesquisadora Thaís Oliveira, a cavalinha é a planta que mais tem silício na sua constituição, um elemento químico que atua no fortalecimento da parede celular da planta contribuindo para que ela seja mais resistente ao ataque de fungos e bactérias.
O nome botânico da cavalinha é Equisetum Hyemale, de origem latim, equivale a calda de cavalo ou rabo de cavalo. Segundo especialistas, a cavalinha é uma planta medicinal de fácil cultivo, resistente e de vida longa. Seus caules são ocos e, por ausência de folhas, são eles os responsáveis pela fotossíntese da planta. A cavalinha não produz flores e sua reprodução é realizada por esporos.
Cavalinha
O estudo da cavalinha está sendo conduzido por pesquisadores da UNIUBE (Universidade de Uberaba) e da FAZU (Faculdades Associadas de Uberaba). Eles pretendem produzir um biofertilizante para uso em escala na agricultura. A expectativa é que o extrato da cavalinha possa ser utilizado como uma espécie de fungicida na produção de alimentos orgânicos e biodinâmicos, com o diferencial de proporcionar mais segurança ao meio ambiente, ao agricultor e ao consumidor uma vez que se trata de um produto natural.
O professor e pesquisador, Dr. José Roberto Finzer, ao conceder entrevista a uma emissora de TV, explica que após processamento em laboratório a cavalinha é transformada em um material solúvel, que ao ser adicionado a um fertilizante aumenta a sua eficácia na proteção da lavoura. A previsão é de que a pesquisa dure dois anos.
Os testes estão sendo realizados em laboratório e a expectativa é que os primeiros resultados já possam ser observados dentro de um ano. Outro projeto que pretende deixar legados importantes para Uberaba é conhecido como “Fábrica de Água”, que tem como objetivo combater a erosão, plantar árvores e aumentar o volume de água para ajudar a vazão do rio que abastece a cidade nos meses de seca.
O desafio começa no combate a um fenômeno conhecido como voçoroca, que são crateras no solo derivadas do fluxo de água da chuva onde a vegetação é escassa. A imagem desértica que esse fenômeno provoca na natureza muitas vezes tem suas causas no uso desregrado dos recursos naturais, de modo que o processo é tão acelerado que a própria natureza não consegue se reestabelecer sozinha.
Voçoroca
Se por um lado o homem tem assumido o papel de terrível fazedor de desertos, em Uberaba temos um valente protagonista no papel de “fazedor de água”. Em matéria exibida no programa Globo Rural (abril de 2019), o jornalista José Amilton Ribeiro esteve em Uberaba e conta que o empresário e engenheiro agrônomo, Marco Túlio Paolinelli, resolveu investir em resíduos de gesso na época em que ninguém pensava que o produto tinha alguma serventia. Visionário e sempre conectado à natureza, ele acreditou nos estudos científicos e saiu na frente. Gesso, leite e eucalipto são algumas das matérias primas desse valente defensor do meio ambiente, mas o empreendimento mais valorizado por ele é também a principal fonte de vida no planeta: a água.
O processo de produção de água acontece por etapas. Paolinelli explica que para proteger as voçorocas foram construídos bolsões e curvas de nível que servem para controlar o escoamento da água da chuva, de modo que a água possa infiltrar no solo sem levar a terra e criar buracos no chão. A água, correndo no mesmo nível do terreno, não faz enxurrada e favorece sua infiltração na terra. Já os bolsões servem para reter o volume de água e são interligados um ao outro, fazendo com que o escoamento ocorra de forma mais gradativa.
Projeto Produtor de Água
Para completar o processo de recuperação da erosão, são feitos plantios de árvores nativas, dentre elas a Copaíba, a Pinha do Brejo, o Pau-Brasil e a Mirindiba. O Jambolão, uma árvore de origem indiana, tem lugar de destaque na propriedade. Trata-se de uma espécie que traz muitos benefícios naturais, pois além de produzir sombra protegendo a terra do calor excessivo, contribui também para a fertilização do solo, por meio de suas folhas e frutos. As raízes do Jambolão formam canais de penetração da água no solo, o que ajuda no processo de absorção da água durante o período chuvoso.
Árvore Mirindiba
O resultado desta rede de colaboração humana e não humana, que reúne conhecimento científico e ações da própria natureza, se fez notável com o aumento de água considerável no córrego Borazinho, afluente do rio Borá, que nasce na propriedade e ajuda a abastecer a cidade de Uberaba. Tal constatação foi a prova viva de que a dedicação para defender a voçoroca fez com que o lençol freático ficasse abastecido em condições suficientes para continuar fornecendo água ao rio mesmo no período de seca.
A vocação do artista, os conhecimentos de pesquisadores e a sensibilidade do produtor de águas foram capazes de formar grandes projetos do nosso País, os quais carregam a valentia de preservar o ciclo natural da vida e constituem-se legados importantes para toda a sociedade.
Projetos assim, construídos com dedicação e respeito ao meio ambiente, mostram que grandes feitos emergem da simplicidade e da vontade de ajudar os outros. No entanto, é preciso estar atento às oportunidades de colaboração que surgem a todo o momento. Tivemos, há pouco, uma dessas oportunidades: a de não poluir ruas e calçadas durante as eleições municipais.
E então, será que você aproveitou essa chance durante a maior festa da democracia?
Ricardo Almeida
Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre em Inovação Tecnológica. Especialista em Gestão de Pessoas e Negociação Coletiva. Atua nas áreas de Desenvolvimento Humano e Educação Ambiental.