Por Vera Lucia Dias
Mestre em Psicologia clínica pela PUC/SP; Terapeuta do Luto; Terapeuta Comunitária e EMDR (tratamento de Traumas), palestrante e escritora


Determinados assuntos são espinhosos de serem tratados e se tornam alvos de mitos e tabus que prejudicam sua compreensão. Muitos destes têm tido um mês no ano, geralmente associado à uma cor, destinado à conscientização, embora continue sendo motivo de preocupação e esclarecimento durante todo o tempo. 

Dentre estes, escolhemos o tema suicídio para nossa coluna da última edição do ano, considerando a abrangência da Revista Mulheres que, dessa forma se engaja na Campanha Nacional de Prevenção ao Suicídio, realizada todos os anos desde 2013 durante o setembro Amarelo, numa iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria. 

As informações oferecidas pelo Ministério da Saúde para a campanha de 2023, reafirmam que o suicídio é um problema de saúde pública que impacta a sociedade como um todo e que, segundo a OMS: “todos os anos, mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária, câncer de mama, ou guerras e homicídios”. 

O suicídio é uma triste realidade, um fenômeno complexo que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades com números assustadores. De acordo com pesquisa da OMS, em 2019 foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 suicídios por dia. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa e morte, só sendo superada pelos acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. 

Sem me delongar na questão dos números e estatísticas, considero interessante atentar para as causas deste inquietante problema. De forma superficial, o senso comum trata o suicida como herói ou como covarde, mas ele não é nada disso, é apenas uma pessoa desesperada que não enxerga a luz no fim do túnel para seus problemas. 

Embora se saiba que praticamente 100% de todos os casos de suicídio estavam relacionados às doenças mentais não diagnosticadas ou tratadas e que poderiam ser evitadas com tratamento psiquiátrico e informações de qualidade, muitas outras causas a elas se associam num combinado de fatores que podem levar às tentativas de autoextermínio, conforme apresentamos a seguir. 

Assim, um histórico pessoal com tentativas prévias e ideações suicidas expressas com frases similares ao “preferia estar morto’, “não sirvo para nada”, por indivíduos com transtornos psiquiátricos, agravados pelo uso de drogas lícitas ou ilícitas, se constituem fortes fatores de risco para o problema em questão. 

Eventos adversos vividos na infância e adolescência como negligência, violências, abusos, baixo desempenho escolar, bem como na vida adulta viver sob pressão de fatores estressores como perdas significativas, separações, migrações, problemas econômicos, desemprego prolongado também podem ser apontados como possíveis causas para o suicídio. 

A existência de doenças crônicas graves de prognóstico desfavorável, a existência de motivos, muitas vezes ocultos, como o sentimento de incompetência, dificuldades de identidade sexual não compartilhadas, mais a disponibilidade de meios para suicidar-se, como armas de fogo, por exemplo, em momentos de impulsividade, são facilitadoras das tentativas de “sair do momento de infelicidade” ou de “acabar com o sofrimento e descansar mais rápido”. 

Muitas vezes as pessoas propagam ideias do tipo “quem fala não faz”, “se tentou uma vez não tenta mais”, “os suicidas não dão sinais do que pretendem fazer” e podemos combater tais afirmativas informando que uma pessoa pode ter inúmeras tentativas até conseguir seu intento; podem dar sinais por meio de palavras e atitudes como mudanças bruscas de comportamento, organização de detalhes ou doação de pertences, escritas de cartas, bilhetes e mensagens como se estivessem se despedindo. 

Como podemos ver, o suicídio não pode ser tratado de uma forma simplista porque é motivado por um conjunto de fatores combinados entre si e, falando de prevenção, o maior de todos os tabus a seu respeito, ainda é a crença de que não se deve conversar sobre suicídio, quando perguntas sinceras e francas, sem julgamento ou sermões, podem levar uma pessoa a revelar suas intenções e ser orientada e encaminhada para serviços que mudarão o curso de sua história. 

O tema da campanha de 2023 é bastante oportuno se considerarmos que muita gente ainda não reconhece a importante ajuda que poderia receber de psicólogos e psiquiatras para alívio do seu sofrimento mental. Ainda é comum se ouvir a justificativa de que não se procura um psiquiatra por medo de ficar dependente de remédios e, com quem assim pensa, reflito que não se questiona aqueles usados “para o resto da vida”, quando são para hipertensão, diabetes ou controle de outras tantas doenças. 

Quanta dor poderia ser evitada com psicoterapia associada a tratamentos medicamentosos devidamente prescritos e que, juntos, possibilitariam significativa melhoria da qualidade de vida emocional, aumento da autoestima e desenvolvimento de resiliência para enfrentar os desafios que a vida nos oferece! 

Não poderia encerrar esse artigo sem citar o pioneiro e indispensável trabalho desenvolvido pelo Centro de Valorização da Vida – CVV – que oferece apoio emocional de forma voluntária a todas as pessoas que querem, conversar em momentos de desespero, pelo telefone 188, e-mail ou chat. 

Necessário ainda apontar os dispositivos do SUS, como Estratégias de Saúde da Família e Unidades Básicas, que funcionam como portas de entrada e, encaminham para os atendimentos especializados como os Centros de atenção Psicossocial (CAPS). Para os casos de emergência, como surtos ou tentativas de autoextermínio, pode ser acionado o SAMU ou ser procurada uma UPA, Unidade de Pronto Atendimento nos casos de urgência. 

Saber os encaminhamentos corretos, nunca é demais! Se precisar, peça ajuda!