Liana Marzinotto
Fotos: Ari Morais
Pariental, do latim parietale ou paries, significa Parede, onde começam os sinais de comunicação e de arte. Foi assim com meu entrevistado, que se tornou “O Bom Oportunista”. Oportunista aqui relativo ao substantivo, ao que aproveita as oportunidades.
A partir de materiais reciclados, coletados em pontos de descartes da cidade, ele cria peças exclusivas e alimenta famílias transformando lixo em nutrição. Enquanto isso, no Brasil o Mapa da Fome aponta dados alarmantes chegando a 19,1 milhões de brasileiros que passam fome, originando um quadro grave de desnutrição e segurança alimentar. E quando você consegue fazer a diferença, a partir do marco zero?
Pedagogo por formação, repórter fotográfico, ainda uma criança, fruto de uma infância mal Curada, como se refere ao andar de “carrinho de rolimã e skate, mas apaixonado por artesanato. Maurício Araújo Farias, é casado com Heloísa e tem dois filhos. Após sua aposentadoria, se viu entediado ao mesmo tempo que descobriu o interesse por produzir peças feitas principalmente com madeira e ferro e estas peças se tornaram um propósito em sua vida, no momento que sua arte alimenta pessoas.
Liana Marzinotto – Maurício, fale um pouco de você antes de chegarmos ao “artista plástico pós moderno”.
Maurício Farias – Bom, minha formação é Pedagogia, com pós em Pedagogia Empresarial e Educação Corporativa. Após trabalhar por 36 anos como repórter fotográfico e gerente do departamento de imagem e som na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu -ABCZ, me aposentei. Passados dois anos descobri o artesanato.
LM – Como foi esta descoberta?
MF - Foi bem interessante. Foi num churrasco na casa de um amigo, boa ocasião e chegando na varanda me deparei com uma arte em Pallet e achei bonito, muito bonito mesmo, ficando encantado com aquilo e pensei: - eu dou conta de fazer! E no dia seguinte eu fiz. Peguei todos os materiais necessários para a confecção e fiz um aparador. Me sentei de frente a ele e fiquei olhando ... observando e achei horrível, o que é isso que eu fiz? Indaguei! Não é possível! (risos). Este são os desafios da vida. Desmontei, refiz e ficou até melhor do que o do meu amigo.
LM – Onde você encontra os materiais que utiliza para a sua arte?
MF – A melhor delas foi o Ecoponto, que é um centro de reciclagem e os ferros velhos. O Ecoponto é um paraíso para trabalhar com a ressignificação. Alguns objetos desprezados transformam o lixo em tesouro, por que tudo se aproveita e eu descobri na madeira e no metal algo interessante para ser feito. No início era como brincadeira e doava para igrejas e as pessoas foram gostando. De repente já tinham padres me procurando pedindo minhas peças.
LM – No início deste trabalho, vamos colocar assim, você recebeu apoio de sua família?
MF – Olha, foi muito engraçado. Minha esposa uma vez disse: - Você não tem serviço? Eu logo pensei: - Gente, minha mulher não me apoia, que é isso? (risos). Conversei com dois amigos. O primeiro, um padre que me sugeriu um encontro de casais e o segundo, um advogado que logo manifestou abrir um processo (risos), tudo uma grande brincadeira. Hoje ela incentiva, elogia, mas ainda guardo a reserva de um olhar não artístico, subjetivo.
LM – O que te inspira em seu trabalho de criação?
MF – A irmã Maria Antônia da igreja Medalha Milagrosa, através da associação A Pequena Obra de Santa Beatriz (Santa Beatriz foi orientada e conduzida por franciscanos em Portugal), fazia doações de cestas básicas para famílias carentes. Ela faleceu há dois anos, mas a obra continua com as doações de alimentos para as famílias, preferencialmente mães, idosos e doentes. Antes da pandemia, eu promovia palestras educativas como um trabalho pedagógico, com vários convidados e depois fazíamos a entrega das cestas. Outro grupo surgiu, os dos desempregados.
LM – A partir deste trabalho como voluntário você criou um projeto. Fale sobre ele.
MF – Sim. Criei o projeto Arte e Ação Social onde eu troco minhas peças por cestas básicas. Comecei com 10 famílias e também acolho pedidos extras. Eu continuo também fazendo doação das peças, como ação social para instituições como igrejas e associações cuidadoras de animais, para que se transformem em fonte de arrecadação.
LM – Suas peças seguem algum padrão?
MF – Não. Não sigo nenhum tipo de padrão, não é nada programado. Cada peça é única, com uma pegada diferente. Até então a fotografia era o que me permitia um olhar artístico que eu trouxe para minhas peças. Nunca me vi fazendo isso até aquele momento “bendito” (se referindo à peça vista no domingo do churrasco na casa de seu amigo).
LM – Você já expôs seu trabalho. Como foi a experiência?
MF – Já fiz duas exposições pela Fundação Cultural de Uberaba e na segunda acrescentei um projeto de inclusão social, levando cinco instituições de caridade para visitar com transporte e alimentação gratuitos. Cada peça tinha o título de um poema e assinatura de Carlos Drumond de Andrade. Nesta exposição ocorreu um fato interessante, como minhas peças são tocáveis, as crianças do Instituto dos Cegos puderam “conhecê-las” e uma criança com seus cinco anos se destacou. Ela, segurando a minha mão, me conduziu até um quadro que ela gostou muito. Tratava-se de um quadro com uma flor e uma torneira que simbolizava a água com bolinhas de gude. Dei a ela a peça! A atitude daquela criança me emocionou!
LM – Como sua atividade foi se desenvolvendo ao ponto de sua arte se tornar alimento?
MF – Tenho meu ateliê há quatro anos e minhas peças são trocadas por cestas de alimento e dependendo do quadro são as quantidades de cestas que variam de duas a cinco cestas e o gasto com materiais para a produção é meu. O que me importa é poder realizar ações sociais, mantendo atenção ao meio ambiente e a contribuição com as pessoas. Que não seja uma grande mudança, mas que o ato de partilhar aconteça. O outro é alguém como nós!
LM – Neste período de quatro anos, pode-se dizer que se tornou próximo destas famílias?
MF – Como estou em contato há bastante tempo com estas famílias, eu percebo que elas necessitam mais do que alimento. Elas querem alguém que as ouçam, alguém que conversem com elas. Quando eu chego com as cestas e pergunto “como está?”, suas Histórias começam a ser contadas. O ser humano está carente de relacionamento e com a pandemia isso se agravou e termos a possibilidade de acrescentar algo de bom na vida de alguém, estamos na verdade fazendo algo por nós.
LM – Além das cestas, você faz outras doações. Como é isso?
MF – Ah sim! Todo mês eu compro as bases para amaciante de roupa e água sanitária e transformo em litros que entrego junto com as cestas e para a Casa de Acolhimento São Pio e para a Comunidade Nova Jerusalém. Gostaria de ajudar mais, mas de qualquer maneira estou fazendo a minha parte.
LM – Você pode dizer que este trabalho te fez uma pessoa melhor?
MF – Sim. Modifica, com certeza. Hoje há tanta ganância, indiferença e experimentar este trabalho de doação é gratificante. Gostaria que esta experiência pudesse chegar a várias pessoas. Se cada um fizer um pouco, a soma será sempre grande. Muitas vezes se vê à distância quando ao nosso lado é gritante a necessidade de acolhimento e o valor de uma cesta pode ser a diferença entre alimentar ou não uma família. A fome provém da falta de alimento e podemos modificar isto. É uma questão de escolha.
Confira o trabalho de Maurício no Instagram e no Facebook.
Liana Marzinotto
Jornalista e Assessora de Relações Institucionais. Relações Públicas do Hospital Hélio Angotti.