Gilberto Rezende | Empresário, membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, ex-presidente da ACIU e do CIGRA. |
Uma história de 80 anos
Ousadia sempre foi uma das marcas registradas de Mário de Ascenção Palmério, nascido em Monte Carmelo em 1916, mas vindo a construir seu império em Uberaba. Mostrou para o Brasil e para o mundo que o homem corajoso, determinado e, lógico, com um pouco de sorte é senhor de seu próprio destino.
Para se casar com sua amada Cecilia Arantes, mostrou-se também intrépido, escapando das regras tradicionais para obter seu intento. Encontrando resistência por parte dos seus futuros sogros em permitir as bodas, os noivos não viram outra saída a não ser fugirem de casa para se casarem, no ano de 1939, na cidade de Santos. Os dois retornaram felizes a Uberaba no início de 1940, e fixaram residência na cidade onde, futuramente, nasceriam seus filhos Marcelo e Marilia.
Nesse período, criou aqui na cidade o curso de Madureza, em sociedade com sua irmã Lourencina Palmério, sendo o local escolhido a casa de seus pais. Estavam sendo plantados ali os primórdios do grande complexo estudantil que, graças a ele, se implantou na cidade. Seu segundo passo dele na área foi fundar o Liceu do Triângulo Mineiro, na rua Manuel Borges, no antigo casarão que existia ao lado do Hotel Regina. Em mais um gesto de ousadia, concebeu o colégio com uma população mista, contrariando as regras de separação existentes nos dois maiores Colégios de então: o Diocesano, para alunos do sexo masculino, e o Nossa Senhora das Dores, para a ala feminina. Fato esse que atraiu a atenção da juventude e aumentou a atratibilidade do colégio.
Uma área de 4.500 metros quadrados foi adquirida de Afrânio Azevedo e, com financiamento da Caixa Econômica Federal, construiu vários blocos para salas de aulas e uma residência dentro do conjunto, onde passou a residir. Com as novas aquisições, esta área tem hoje cerca de 10.000 metros quadrados.
No espaço, já com o nome de Colégio Triângulo, adicionou a Escola Técnica de Comércio, passando a oferecer contabilidade, ginasial e científico, cursos que eram ministrados em três turnos.
Fui um dos alunos e me formei no Colégio Triângulo. Lá, tive meu primeiro contato com Mario Palmério. Mas, foi um primeiro contato desastroso. Certamente por alguma arte fui colocado de castigo, ainda no casarão, exatamente na sala do diretor, Mário Palmério.
Nos reencontramos na década de 1960 e, a partir desta época, estabelecemos uma sólida amizade. Nos tempos de floração de mangas, Mário Palmério saia em expedição nos pomares dos amigos, na busca de novas espécies. Todos os anos recebíamos sua visita em nossa Casa do Folclore com este objetivo. Convicto, ou apenas para ser gentil, ele dizia aos formandos da Uniube que o melhor local de Uberaba para festas de formaturas era a Casa do Folclore. Foi o suficiente para que ela se tornasse o centro de festas das faculdades.
Quando do último retorno de sua viagem à Amazônia, nossos contatos se tornaram mais frequentes. Embora em partidos políticos diferentes, lutávamos sempre pelos mesmos ideais.
Mário Palmério foi um assombro no setor educacional. Dois anos após a mudança do Colégio Triângulo para as novas dependências, ele criou a Faculdade de Odontologia, em 1947. E no dia 13 de fevereiro de 1948 (data histórica) o Jornal Lavoura e Comércio publicou o 1º Edital de Chamada para o vestibular. Um fato peculiar aconteceu nessa prova: dos 69 alunos aprovados não constava nenhum de Uberaba, fato que ganhou destaque na imprensa local.
Com apenas 32 anos já era reconhecido como empreendedor, administrador e proprietário de várias escolas e uma Faculdade. A partir do sucesso desse empreendimento, no ano de 1951 foi criada a Faculdade de Direito. A Escola de Engenharia viria 5 anos depois, em 1956. Nesse mesmo ano, outra grande empreitada foi implantada na cidade com a criação do Hospital do Câncer do Brasil Central, hoje Hospital Dr. Hélio Angotti.
Finalmente no ano de 1972, a FIUBE, Faculdades Integradas de Uberaba, foi criada. A partir daí surgiram novos cursos como o Educação Física, Psicologia, Pedagogia, Estudos Sociais e Comunicação Social.
Em 1976, em uma grande área, hoje com aproximadamente 400.000 metros quadrados, instalou o Campus II, na av. Nenê Sabino, a principal estrutura do complexo educacional para o ensino de graduação e pós-graduação. É neste local que está instalado o Mário Palmério Hospital Universitário, popularmente conhecido como Hospital Mário Palmério.
Em 1981, na gestão interina de Marcelo Palmério, ocorreu a fusão com a FISTA, Faculdades Integradas Santo Tomás de Aquino, absorvendo mais uma dezena de novos cursos, entre eles Filosofia, Letras, História, Geografia.
Em 1988 Mário, novamente à frente da Instituição de Ensino, recebe do Ministério da Educação o reconhecimento da FIUBE como universidade, que passa a se chamar Uniube. Isso possibilitou a oferta de graduações em Engenharia Agrícola, Tecnologia em Processamento de Dados, Administração, Engenharia Elétrica, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Econômicas, entre outras.
Com a expertise adquirida na área, e sendo ainda um grande influenciador, Mário Palmério colaborou para a criação da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro cedendo, inclusive, seu espaço para as primeiras turmas. Esta faculdade se transformou em 2005 na Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Só essas grandes realizações seriam suficientes para eternizá-lo como um dos maiores empreendedores do ensino no Brasil. Todavia, Mário Palmério foi muito além e se destacou em nível nacional em outras áreas como a política e a cultural.
Na política, foi um dos fundadores do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, em 1950, quando foi eleito deputado federal com a segunda maior votação de seu partido em Minas Gerais. Vencedor em mais duas eleições posteriores, conseguiu exercer o mandato por três vezes consecutivas.
Não logrou êxito na eleição municipal de Uberaba em 1970 quando foi eleito Arnaldo Rosa Prata. Sua última campanha para voltar à Câmara dos Deputados se deu em 1994, concorrendo com outros sete candidatos, entre eles, Wagner do Nascimento. Desta vez o vencedor foi Hugo Rodrigues da Cunha.
Em 1962, ao final de seu terceiro mandato, foi nomeado embaixador do Brasil no Paraguai, onde permaneceu até abril de 1964, data em que foi iniciada a revolução militar, que depôs o presidente Jango Goulart. Foi naquele país que se descobriu Mário Palmério como compositor. A música Saudade foi sua composição mais destacada. Esta guarânia obteve um sucesso estrondoso, sendo divulgada por meio de gravações de centenas de intérpretes não apenas no Brasil, mas também em diversos países.
Como escritor Mário Palmério publicou dois romances em sua vida literária - Vila dos Confins e Chapadão do Bugre. Vila dos Confins foi lançado em 1956 quando o escritor completou 40 anos. O que “inicialmente era um relatório, cresceu crônica e acabou romance”, nas palavras de Edmar C. Alves. Segundo Paulo F. Silveira, este “relatório” foi preparado para ser apresentado na Câmara Federal para denunciar as maquinações eleitoreiras do interior mineiro. Chapadão do Bugre veio a lume nove anos depois. Escreveu este livro em sua fazenda em Mato Grosso. O sucesso foi tanto que o livro se tornou minissérie na TV Bandeirantes em 1988, tendo sido reprisada em 1996.
Em 1962, Mário Palmério, juntamente com Edson Prata, César Vanucci, Padre Prata, José Mendonça e outros pioneiros, criou em Uberaba a Academia de Letras do Triângulo Mineiro.
No rastro do sucesso de seus romances, explicitado nas dezenas de edições, Palmério levou a pleitear a cadeira de nº 2 de Guimarães Rosa na ABL (Academia Brasileira de Letras). Em 1968, já consagrado na literatura nacional, foi eleito para a ABL se tornando, aos 52 anos, um dos mais jovens imortais.
Um novo romance, Confissões de um Assassino Perfeito, foi iniciado por Mário Palmério em 1970, como relata Jorge Alberto Nabut. Porém, após publicação de alguns capítulos nas revistas da Academia de Letras do Triângulo, não se obteve mais notícias sobre esta obra.
Gessy Caricio de Paula, em seu artigo para a Academia de Letras do Triângulo, revela que em 1973 as obras de Mário Palmério eram leituras obrigatórias para os vestibulandos da UFU, Universidade Federal de Uberlândia.
A alma aventureira e o espírito criativo de Mario Palmério não conheciam limites de tempo ou de espaço. Em suas históricas viagens pela Amazônia, a primeira, iniciada em 1969, teve a duração de um ano. Ao lançar o livro Vila dos Confins em Portugal, em 1971, aproveitou para fazer um desvio e passar alguns meses na África. E, na sua segunda viagem para a Amazônia, embarcou em 1978 e lá permaneceu por nove anos, retornando em 1987. O barco “Frei Gaspar de Carvajal” foi construído especialmente para esta aventura.
Enquanto em viagem, as responsabilidades administrativas das faculdades ficavam a cargo de seu filho, Marcelo Palmério, que assumiu em definitivo a reitoria da Uniube a partir de 1996.
Hoje, quando a Universidade completa seus 80 anos de atividades educacionais, conhecida internacionalmente como UNIUBE, verifica-se que durante seus primeiros 46 anos a administração deste complexo esteve a cargo de Mário Palmério, seu pai e criador.
Segundo informações da Uniube, mais de 100 mil profissionais esparramados pelo Brasil, e pelo mundo, especialmente na América Latina, participaram desta história da criação da Universidade de Uberaba.
Coube a Marcelo Palmério a condução da entidade nos subsequentes 34 anos de existência, com seu talento empresarial, inteligência e visão contemporânea. É de sua lavra a instalação dos cursos de Ensino à Distância (EaD), cursos de pós-graduação, instalação dos campi em Uberlândia, Araxá, e mais de 100 polos da Uniube em diversos estados ou em parceria com outras instituições.
Uma de seus grandes destaques à frente da Universidade foi a criação do curso de Medicina e, herdeiro da mesma ousadia paterna, fez construir o maior e mais moderno hospital particular deste Brasil Central, 18.500 metros quadrados de área construída, com 220 leitos e ao qual deu o nome de Mário Palmério Hospital Universitário, popularmente conhecido como Hospital Mário Palmério.
Uma fotografia do sucesso de sua gestão pode ser vista por meio de alguns números simples. Quando Marcelo assumiu a reitoria em 1996, a Uniube contava com 726 colaboradores e cerca de 6.000 alunos. Em 2018 este número saltou para 25.000 alunos e conta atualmente com mais de 3.000 empregos diretos e cerca de 10.000 colaboradores indiretos o que coloca a Universidade de Uberaba como uma das mais importantes empresas do setor privado educacional na geração de empregos.
Sobre um poema de Décio Bragança, Arahilda Gomes compôs a música que se transformou no Hino da Uniube.
Pai e filho têm diferentes temperamentos. Mário Palmério foi professor, político, escritor, compositor, diplomata, aventureiro, empreendedor e, acima de tudo, um filósofo que sabia e ensinava como viver. Além disso, era um fazedor de rodas de amigos, contador de histórias, caçador e pescador por paixão, sendo dotado de índole extrovertida.
Já Marcelo, calado e discreto, desperta curiosidades sobre sua trajetória, se concentra mais nas áreas de administração e do empreendedorismo. É formado em Direito pela Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro, graduado em Administração Universitária pelo Centre D’Enseignement Superieu de Affaires da França e mestre em Educação pela Universidade de Uberaba. Exerce a política apenas nos bastidores. Tem paixão pela família, pelo trabalho, pela leitura e pela aviação, pilotando desde os 17 anos. O elo mais forte entre eles é, indubitavelmente, a genialidade dos dois guerreiros.
De espirito altruísta, Marcelo cedeu em comodato a sede da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, em Uberaba, onde seu pai ocupou a cadeira de nº 20. A Academia, em agradecimento, contribuiu para a construção de um busto de Mário Palmério, em pedestal construído à frente do casarão.
O único cargo público que exerceu foi o de Presidente do IBDF, hoje IBAMA, na década de 1970. Foi o primeiro e único reflorestador a presidir o órgão.
Criamos e por muitos anos nos revezamos na presidência da ART - Associação dos Reflorestadores do Triângulo, da qual faziam parte Ronan Tito, Flávio Gonçalves, Adilsson Pereira de Almeida e outros reflorestadores.
Foi de Marcelo a sugestão para envio de um engenheiro agrônomo para a África em busca de sementes de várias espécies de eucaliptos. Com o plantio das novas sementes importadas, o incremento de madeira das florestas atraiu atenção, fazendo com que o IBDF, inicialmente, permitisse a importação e depois criasse um bônus para quem aderisse ao programa. Foi um fator que, ao longo do tempo, ampliou consideravelmente os resultados econômicos das florestas brasileiras.
Juntamente com Edson Prata, Unias Silva e outros amigos, adquirimos o Correio Católico e o transformamos no Jornal da Manhã, onde, por indicação de Marcelo, contratamos, na década de 1970, Mauro Santayana, um dos maiores articulistas políticos do país.
Esse nosso grupo, acrescido de mais alguns amigos, fez a primeira campanha eleitoral de Hugo Rodrigues da Cunha, em 1972, época em Marcelo conseguiu a façanha de juntar centenas de alunos da então Fiube para distribuir 40.000 exemplares do Jornal da Manhã, no dia da eleição.
Cedendo a algumas paixões, aliadas a seu empreendedorismo, Marcelo e seu sócio e cunhado Fernandino Assumpção fundaram um haras para criação de cavalos quarto-de-milha e implantaram um complexo industrial às margens da BR-262, vinculado às suas lavouras de café.
Em sua vida já recebeu todas as comendas criadas para homenagear destacadas figuras que trabalham em prol da comunidade, entre elas a Medalha Major Eustáquio, a Comenda da Paz, Comenda Mário de Almeida Franco e a Comenda Mérito ABCZ, categoria nacional.
Seus maiores prêmios, entretanto, são os três filhos e parceiros: Eduardo e as gêmeas Maria Cecilia e Ana Vera, frutos do seu casamento com Vera Maria Assunção, já falecida.
Vera exerceu por muitos anos, ao lado de Marcelo Palmério, a diretoria geral da Uniube. Foi um trabalho incansável de uma executiva extraordinária. Um exemplo de mulher que soube repartir seu tempo junto à família e às necessidades da Universidade.
Tivemos oportunidade de conhecer o trabalho de Vera Maria que inicialmente criou a Hiléia, um imenso viveiro de mudas que abasteceu os grandes jardins da cidade e região, inclusive quase toda a jardinagem da Casa do Folclore.
A mãe de Marcelo, Cecilia Arantes Palmério, foi também outra parceria forte na sua vida empresarial e administrou, por vinte anos, a Sociedade Educacional Uberabense, entidade sem fins lucrativos mantenedora da Uniube.
Após seu falecimento, seu nome foi perpetuado no “Centro Cultural Cecília Palmério”, um belíssimo conjunto arquitetônico, implantado no Campus I, local criado em 1997 para dar apoio às iniciativas artísticas e culturais de Uberaba. “Cecília Palmério” é também nome de uma rua localizada no bairro Santos Dumont.
Mário Palmério faleceu em 1996, aos 80 anos. Seu nome está eternizado num dos maiores hospitais do Brasil central: Hospital Mário Palmério, nos seus romances Vila do Confins e Chapadão do Bugre, na galeria dos ex-deputados federais e na galeria dos embaixadores no Itamarati. Figura também seu nome no viaduto da BR-050, construído acima da ligação da Univerdecidade com a Casa do Folclore. Mário Palmério, um imortal, consta também nas galerias da ALTM e ABL.
Conforme relata Guido Bilharinho, no ano de 2004 foi criado o “Memorial Mário Palmério” pelo curso de Comunicação Social da Uniube, dirigido, à época, por André A. Fonseca. É constituído de centro de documentos, portal na Internet, biografia oficial e instituição de seu espaço permanente.
Considerações finais
Cabe ainda, no futuro, mensurar o peso da Uniube na economia, no crescimento e na evolução da dinâmica populacional de Uberaba.
De 1820 a 1940, em 120 anos, os pioneiros, a pecuária, os imigrantes e a implantação dos meios de comunicação, rodoviária e ferroviária, fizeram com que a cidade, que contava inicialmente com cerca de 3.000 habitantes, ampliasse para 58.989 sendo, de acordo com o Censo, 31.215 na área urbana e 27.774 na rural.
Entre 1940 e 2020, além do complexo educacional da UNIUBE, foi criada a UFTM e diversas faculdades privadas.
Uberaba recebeu também o maior complexo de fertilizantes da América do Sul, inúmeras indústrias esparramadas pelos Distritos Industriais, além da ampliação do comércio, através da chegada de grandes grupos nacionais e internacionais.
A agricultura, a pecuária, o setor de serviços e outros segmentos tiveram participação importante neste contexto. Estas atividades fizeram com que nestes últimos 80 anos, Uberaba, atualmente com cerca de 350.000 habitantes, crescesse mais de 1.000%.
O pioneirismo de Mário Palmério fez escola.