Trans relatam vivências profissionais

Jornalista Isabel Minaré


Glamour Garcia brilhou no papel de Britney em 'A dona do pedaço'. Foto: Divulgação TV Globo

A atriz Glamour Garcia entrou para a história da televisão ao se tornar a primeira atriz transexual a ganhar uma estatueta da premiação “Melhores do Ano”, do programa Domingão do Faustão. Ela recebeu o prêmio de “Atriz Revelação” de 2019 ao interpretar a personagem Britney na novela “A dona do pedaço”, da Rede Globo.

O reconhecimento do trabalho da atriz chamou a atenção para a abertura do mercado para transexuais. De acordo com a vice-presidente do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), Sayonara Nogueira, não há uma pesquisa governamental com dados de transexuais no mundo laboral. A falta de estudo dificulta o conhecimento sobre o censo demográfico da identidade de gênero.

Em Uberaba (MG), a comunidade trans conta com o atendimento da Coordenadoria de Políticas Públicas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), da Fundação Cultural de Uberaba (FCU) “O socorro deles (dos trans) somos nós”, exalta o coordenador Valdir Santana. Para atender às necessidades do grupo, Valdir e equipe criaram uma rede de apoio com colaboradores diversos, como psicólogos, endocrinologistas e ginecologistas. Ninguém cobra pelo serviço prestado.


Marcelo, Andreza e Jefferson compartilham experiências no mercado de trabalho.
Foto: Ighor Thomas

Esse círculo de solidariedade, proteção e fortalecimento existe porque ainda há preconceito. “As pessoas acham que gay, lésbica ou trans tem que ser cabelereiro, maquiador ou costureiro. No entanto, não é assim. Existem vários professores, médicos, entre outros. Não são militantes, mas existem”, assegura.

Não faltam provas para essa afirmação. Marcelo de Oliveira é graduado em Educação Física e inspetor de alunos na Escola Municipal Uberaba. Ele iniciou o processo de transição aos olhos de alunos, pais, professores e diretores. O período foi vivenciado com leveza e tranquilidade. Em nenhum instante ele se sentiu ameaçado ou com medo de perder o emprego. O fato despertou a curiosidade dos estudantes, que lhe faziam perguntas sobre a mudança. Marcelo “levou tudo numa boa”. Ele é o primeiro transexual da instituição. Agora, ganhou a companhia de uma professora.

O caso de Andreza Araújo, estudante de Engenharia Civil, é parecido com o de Marcelo. “Comecei minha mudança aos 18 anos. Foi fácil porque minha família já aceitava. Nunca ouvi uma palavra de baixo calão. Sei que sou privilegiada por não passar o que a maioria das trans passa na rua”, afirma, referindo-se ao preconceito, ao desrespeito e à violência que a comunidade sofre. Andreza sempre trabalhou com a carteira assinada. Já atuou como operadora de telemarketing, fiscal de caixa e atualmente faz estágio na FCU.

A estudante sabe que vive uma realidade oposta à das colegas e assume: o empregador faz, sim, distinção entre trans e o restante da população na hora de contratar. “Sei de gente que não consegue vaga somente por ter uma aparência diferente e não por não ser dedicado e competente para o cargo”, relata.

Nem todos os transexuais têm as mesmas oportunidades de Andreza e Marcelo. Ainda há uma parcela que enfrenta barreiras para conseguir inserção e desenvolvimento profissional. Jefferson Marques sabe bem o que é isso. Ele estuda Serviço Social e há dois anos está desempregado. A solução para pagar as contas vem da ajuda de amigos e conhecidos, que o solicita para fazer pequenos serviços (bicos).

Jefferson não tem dúvidas: por ser trans, sofre rejeições e é excluído do mercado. Ele passou por uma situação constrangedora ao participar de uma seleção para uma rede de supermercados. No currículo, escreveu o nome de registro e o social (nome pelo qual prefere ser chamado e correspondente à sua identidade de gênero). A recrutadora lhe questionou o que faria se os funcionários lhe pedissem para usar o banheiro feminino. Nessa hora, ele se sentiu inibido. Mesmo assim, criou forças e devolveu a pergunta: “As mulheres me aceitariam no banheiro delas?” O fato comprova que uma das maiores lutas do movimento é o respeito à identidade de gênero, ao nome social e ao tratamento condizente ao gênero.

A entrevista de emprego causou controvérsia e ofensa. “Me senti mal. Você me olha e não vê uma mulher. Não tem esse negócio de banheiro feminino! Só porque ela viu meu documento, quis designar um banheiro que não era o meu!”, justifica. “Não consegui nada porque as pessoas não conseguem conciliar o que está escrito (nome feminino) com o que vê (homem)”, completa. Na época da entrevista, Marcelo ainda não tinha feito a retificação do nome social. Essa é, aliás, uma das grandes conquistas da comunidade.  O provimento 73/2018, regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garante o direito de as pessoas trans alterarem nome e gênero sem a necessidade de autorização judicial, laudo médico ou cirurgia. A mudança pode ser feita diretamente nos cartórios.

Wender Oliveira, servidor público e presidente da ONG Marco Antônio Nascimento, faz atendimentos na FCU para auxiliar nesse processo. Ele e o marido, Valdir, já têm mais de 50 “filhos” com nomes modificados. “Mudar o nome nos documentos significa renascimento”, resume.


Wender e Valdir trabalham para a validação do nome social. Foto: Ighor Thomas

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