Por Lis Oliveira
Sem pensar duas vezes, é provável que a maioria de nós responda a esta pergunta, considerando "a importância de estudar para se tornar alguém na vida para conseguir um bom trabalho". Mas, o que é um bom trabalho? Um trabalhador do campo, um marceneiro, uma faxineira não são "alguém na vida"? Então o seu cargo em uma empresa define a sua pessoa? Um alto salário traz segurança e alegria? A que preço? Quanto tempo por semana um empresário atarefado passa com sua família? É sabido que nunca consumimos tanto quanto nos dias de hoje e também que nunca fomos tão tristes, tão insatisfeitos.
Confundimos instrução escolar com aprendizagem; ensino, obtenção de graus, com educação; diploma com competência; fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. É como achar que cuidar da saúde é igual a tomar remédios.
Mais de 35 mil famílias no Brasil optam por manter os seus filhos longe das escolas, assumindo 100% da responsabilidade na sua educação. O Homeschooling ou ensino domiciliar é regulamentado em mais de 60 países no mundo e tem atraído um crescente número de adeptos a cada ano. Como isso funciona? A criança não fica prejudicada?
Como é possível que ela aprenda sem a instrução de profissionais qualificados? Ah, mas que absurdo! Isso não é o mesmo que manter o jovem em uma bolha? Bem, vamos por partes. É necessário refletir sobre alguns conceitos básicos. Acontece que, pelo que os estudos indicam, a escola é a bolha.
O que é Educação?
É a forma de passar para o humano o que é ser humano, de mostrar e representar a essência da humanidade para que a pessoa se identifique, entenda a si mesma e o seu papel no todo. Educação é política, atuação na sociedade. Existe um consenso entre pesquisadores de diversas áreas e de muitas nacionalidades e culturas de que as coisas mais importantes da vida nós aprendemos no nosso dia-a-dia, com a nossa família e amigos, em momentos de lazer, no trabalho, com a comunidade, com participação social (denominada TEIA EDUCACIONAL por Ivan Illich, 1926-2002, austríaco, filósofo). O aprendizado ocorre quando se faz uma indagação e uma investigação que vai conduzir a conclusões sobre um determinado assunto. Basicamente a necessidade leva ao aprendizado.
A aprendizagem está centrada na relação, portanto o poder hierárquico atrapalha a relação de conhecimento - este o abismo entre professor e aluno, pois o professor quando ensina é o foco da atenção. Na verdade, o ensino não existe porque ninguém ensina o que o outro, de algum modo, não esteja pronto para saber. A gente só aprende o que nos toca afetivamente, humanamente. E o que se ensina, o conhecimento, não é estático - novas tecnologias levam a novas pesquisas e a novas constatações todos os dias, por isso o professor não sabe mais do que o aluno o tempo todo. Hoje, ambos estão aprendendo juntos, simultaneamente. O "poder", o imprescindível é deter o interesse por tudo, a curiosidade, não o conhecimento. Porque o saber é provisório. "Quem acumula o conteúdo não pensa. Pensar exige o vazio. Eu só aprendo quando não sei." (Viviane Mosé, filósofa).
O que é a escola?
A escola, tal qual a conhecemos, nasceu com a industrialização. Da necessidade de um local para os trabalhadores deixarem seus filhos durante sua jornada e também da necessidade de capacitar operários para as indústrias. A escola foi concebida, de fato, como uma linha de montagem, onde recebemos o conhecimento fragmentado (literatura, história, geografia, matemática, química, etc.) e ficamos com uma falta de noção do todo. Não compreendemos nossa parte no conjunto que é a sociedade, perdemos a noção de participação e relacionamento, o nosso senso crítico. A escola vem, portanto, satisfazer a necessidade dos líderes de uma massa passiva, desvinculada do seu processo de vida, alienada. Com o conhecimento fragmentado, não sabemos lidar com problemas globais, somos incapazes de enxergar de que forma tudo está relacionado. Ora, se o que temos na escola não é educação, se a aprendizagem acontece a qualquer momento e muito raramente durante a aula, se o ensino não existe e o saber é provisório, pra que a escola?
Declarou Miguel Nicolelis, neurocientista e único brasileiro que foi capa da revista Science: "O sistema educacional dominante no mundo vende um produto que o cliente não quer receber e não pergunta a opinião do cliente" - o cliente é a criança.
Ouço que o mundo é muito competitivo e não podemos privar nossas crianças disso. Fala-se muito na luta pela paz, mas não se educa para a paz. Educa-se apenas para a competição e a competição é o ponto de partida de toda guerra. (Pablo Lipnizky)
Pesquisas demonstram que os melhores alunos de escolas convencionais nos EUA, Canadá e Europa têm desempenho inferior ao de um jovem que aprende em casa. Universidades de renome como Harvard são simpatizantes de estudantes que não frequentaram a escola, uma vez que eles tendem a se destacar, em sua autonomia e proatividade, com projetos inovadores. Já existem localidades onde o governo remunera as famílias que optam pela desescolarização, primeiro porque entenderam que este estudante desenvolverá um potencial diferenciado e segundo porque ele não está usufruindo da escola pública (é como um reembolso de impostos).
A própria Harvard já realizou experiências de sucesso com turmas de unschoolers e reservou um espaço especial para eles em suas dependências.
É importante ressaltar que as famílias que praticam Homeschooling não querem de forma alguma decretar que isso é o ideal para todos. Não é. Elas só desejam deixar claro que não estão agindo de forma displicente com seus filhos e gostariam de promover a divulgação deste modelo para que outras famílias que se encaixam neste perfil saibam que existem alternativas ao modelo educacional vigente que, infelizmente, é um fracasso. A taxa de ingresso às escolas é alta, no entanto a de evasão beira 1/3, ou seja, em algum ponto a escola deixa de fazer sentido na vida do aluno. E não só na vida dele. Da mesma forma que todas as segundas-feiras a maioria dos estudantes não querem ir às aulas, os professores também não o querem. Certa vez ouvi que a taxa de afastamento devido à depressão era algo em torno de 40%. Puxa! Numa empresa onde 1/3 dos alunos vazam e 40% dos professores também, tem algo de muito errado.
Até quando o jovem fica em casa? Até o vestibular. O Enem certifica a conclusão do ensino médio e o estudante ingressa no ensino superior normalmente.
No Brasil não está em vigor ainda uma regulamentação, mas já existe um projeto de lei em andamento. O crime seria o de "abandono intelectual". Mas, certamente, estas famílias que garantem dedicação integral à aprendizagem estão longe disso.
Em 2015 (quando começavam a debater mais sobre o assunto), houve um movimento de mídia sobre uma jovem, Lorena Dias, que ingressou na faculdade aos 16 anos, após 5 anos fora da escola.
Pense: Quantas vezes você se perguntou: Para que todas aquelas fórmulas? Tabela periódica, tantos dados e números? Decoramos tudo, geramos stress no decorar sem entender, para esquecermos tudo após as provas. A forma de avaliação é muito deficiente. A escola geralmente não está preparando nem pra vida, nem para o mercado de trabalho. Mesmo porque, o próprio mercado tem um futuro desconhecido. Não se sabe quais serão as profissões em alguns anos, mas é claro que a escola tradicional não nos preparará para elas.
Praticando Homeschooling, o papel dos pais e de todos que quiserem se envolver é de tutores, mentores, iluminando o caminho que os então autodidatas irão percorrer. Homeschoolers e Unschoolers focam nas áreas que lhes despertam interesse e se especializam, sem perder todo aquele tempo com o que lhe parece inútil. É como funcionam as células: Elas absorvem do meio ambiente o que necessitam para sobreviver e descartam o resto.
Obs: Muitos que praticam Homeschooling trazem a escola para a sala de casa, seguem um currículo do governo ou outro tipo. O Unschooling é uma prática mais livre, que parte das iniciativas das crianças.
Neil DeGrasse Tyson, astrofísico e um dos maiores da ciência contemporânea, respondeu para pais que indagaram sobre como incentivar seus filhos a serem cientistas: "Saiam do caminho deles! Crianças são cientistas natas". De fato, estudos indicam que aos cinco anos, 98% das crianças poderiam ser consideradas gênios e que, 15 anos mais tarde, apenas 10% mantém isso.
"Estudar não é um ato de consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las." Paulo Freire
Mães homeschoolers na Conferência Global de Educação Domiciliar no Rio (Global Home Education Conference GHEC 2016).
Lis e Franco Iacomella, pesquisador e ativista, produtor do documentário La Educación Prohibida (disponível no YouTube), fundador e coordenador do Reevo, a maior plataforma virtual para a difusão, visibilidade, encontro, conexão e ação coletiva de experiências educacionais, organizações e pessoas ao redor do mundo.
Charge sobre Homeschooling.
Encontro do grupo de apoio com o tema Estórias Encantadas - apresentações e atividades pedagógicas.
Atividades de Matemática e jogos pedagógicos ao ar livre.
Composição multidisciplinar de robô integrando pintura (cores), números, planetas e língua inglesa.