Por Marcos Moreno


Promotor de Justiça, Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambientedas Bacias Hidrográficas dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande, dr. Carlos Valera também é doutor em Ciência do Solo e membro Auxiliar da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. No segmento da causa animal em Uberaba, seu trabalho, em parceria com todos os poderes constituídos, é de reconhecimento inquestionável. “Uberaba é subscritora do Termo de Compromisso Positivo do projeto PRODEVIDA – Projeto de Defesa da Vida Animal, da Coordenadoria Estadual de Defesa Animal – CEDA – do Ministério Público do Estado de Minas Gerais – MPMG.”. Na entrevista abordamos também temas sobre o meio ambiente e cultura na relação homem/animal, além dos específicos, para cujas perguntas agradecemos as brilhantes ponderações do dr. Carlos Valera.


Marcos Moreno – Dr. Carlos, me parece ser relativamente nova essa preocupação da população, de um modo geral, com o meio ambiente. Esse aumento de conscientização está diretamente ligado aos efeitos do aquecimento global? 

Dr. Carlos Valera – Sim, sem dúvida. Durante muito tempo perdurou a ideia de que os bens ambientais eram inesgotáveis e que a sociedade podia poluir e degradar o meio ambiente e este se recuperaria espontaneamente. As alterações climáticas estão comprovando que essas ideias são ultrapassadas e perigosas porque podem comprometer nossa sobrevivência. Vejam os exemplos diários de inundações, deslocamento de encostas, secas severas, entre outros. Ora, hoje entendemos, afinal, que só temos este planeta, esta casa, para vivermos. Felizmente, parte da população mundial já despertou para os problemas ambientais e tem procurado mudar a forma de viver e de consumir os recursos ambientais. Mas as mudanças ainda são poucas. Temos que avançar muito mais. Temos que introjetar o conceito de resiliência ambiental, ou seja, ou conceito holístico e ético que nos obriga a utilizarmos os recursos naturais no limite da sua capacidade de autorregeneração (resiliência), para que possamos entregar o planeta para a próxima geração, no mínimo, nas mesmas condições que o recebemos da geração anterior, sob pena de padecermos.

Marcos Moreno – Também crescem as ações de órgãos internacionais, como a Animal Equality, Mercy for Animals, por exemplo, por produção de animais em melhores condições de confinamento. O senhor acredita que esse tipo de trabalho reflete no dia a dia das pessoas e também no convívio diário e doméstico com os animais?

Dr. Carlos Valera – Sim, com certeza. A defesa animal evoluiu muito. Vários países já incorporam em seu arcabouço legal a proteção direta do animal, reconhecendo-o como ser senciente e sujeito de direitos. No Brasil os Tribunais já vêm aplicando esses conceitos. Noutro ponto a tecnologia, notadamente, as redes e mídias sociais fornecem informações mais claras e precisas sobre situações de maus tratos, inclusive, com imagens e filmagens que chocam as pessoas e estas, sensibilizadas com a dor e sofrimento dos animais, passam a cobrar políticas públicas que diminuam ou cessem tais práticas. As instituições citadas e várias outras nacionais desempenham papel fundamental nesse processo porque levam informações ao público em geral e ampliam, cada vezmais, esse importante debate.

Marcos Moreno – Pode-se associar essa conscientização com alguma cultura em especial ou isso é definitivamente um fenômeno global?

Dr. Carlos Valera – A questão ambiental, nela incluída osanimais, sejam eles silvestres ou domésticos, está tomando a cada a dia espaço na agenda política e social. Estamos vivendo fenômenos climáticos e ambientais extremos decorrentes do aquecimento global e variadas formas de poluição e degradação ambientais, que tem diminuído a qualidade de vida das pessoas e dos animais. Quando o tema atinge de forma mais direta a população, ela se interessa e procura saber mais. Ao tomar conhecimento dos graves acontecimentos que acometem o meio ambiente, neste incluído os animais, a comunidade passa a cobrar das autoridades e das demais pessoas uma postura mais consciente e de respeito e o cenário, por certo, se replica em todo o mundo dada a velocidade das informações, via internet.

Marcos Moreno – E no Brasil, pode se falar em regiões mais esclarecidas em relação ao tema?

Dr. Carlos Valera – Infelizmente, sim. A desigualdade histórica e vergonhosa da nossa Sociedade se traduz no grau deconhecimento do povo. Dados comprovam que regiões mais ricas, nas quais a população possui maior grau de escolaridade, tende-se a respeitar mais os animais e o meio ambiente. As pessoas menos favorecidas, às vezes, por falta de condições financeiras e culturais, não reúnem condições de tratardos animais, pois há um custo financeiro envolvido. Não estou dizendo que pessoas pobres não respeitam os animais ou o meio ambiente. Muito pelo contrário, mais de 81% da população do Brasil vive com até 02 (dois) salários mínimos e, segundo dados, a maioria desses lares possuem animais que são bem cuidados e integram a chamada família multiespécie. Quero deixar claro que a proteção do animal exige recursos financeiros, os quais às vezes as pessoas não o têm e acabam abandonando o animal, pois se veem no dilema de saldar as despesas da casa ou gastar com a saúde daquele e, infelizmente, acabam abandonando-o.

Marcos Moreno – Popularmente, quando se fala em causa animal o pensamento das pessoas comuns no ocidente está voltado para animais domésticos de estimação, cães e gatos especialmente. Mas, no Oriente se come carne de cachorro. Gostaria de um comentário sobre esses comportamentos.

Dr. Carlos Valera – Sim, infelizmente há uma redução do conceito de meio ambiente, no caso, da fauna seja silvestre ou doméstica. Todos os seres vivos merecem proteção e tratamento digno, até aqueles que são criados para saciar a fome humana. Mas,como ponderado anteriormente, a evolução do chamado Direito Animal tem crescido muito e temos esperança que esse conceito seja ampliado. Com relação ao consumo de carne de cachorro, pelo que leio, trata-se de uma questão cultural ealguns casos ligados a falta de alimentos decorrentes de variadas causas, inclusive, conflitos bélicos. Por certo, sou radicalmente contra e espero que, aexemplo de outros países, a população do Oriente evolua e deixe essa cruel prática no passado.

Marcos Moreno – Por ser o homem carnívoro por natureza, seria um exagero pensar em um mundo vegano?

Dr. Carlos Valera – Questão complexa. Porque envolve crenças, ideologias, entre outros. A literatura se divide sobre o tema, cada posição com seus argumentos. Mas, alguns defendem que um mundo vegano, dadas as desigualdades sociais, seria praticamente impossível, porque a substituição da proteína animal reclama outros alimentos de alto custo e parte da população não tem renda suficiente para arcar com tais valores.

Marcos Moreno – São conhecidas algumas leis de proteção animal. Desde quando existem leis a favor dessa proteção e quais foram as primeiras?

Dr. Carlos Valera – Sim, temos várias leis de proteção e defesa do meio ambiente. A começar pelo artigo 225, da Constituição Federal, a Lei Federal 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei Federal 9.605/1998, que define os crimes ambientais, dentre outras.

Marcos Moreno – Há muito a fazer no que diz respeito à criação de leis que os protejam?

Dr. Carlos Valera – Não há dúvida que sim. Mas, melhor do que ficarmos criando novas leis, é aplicarmos as que já existem e no processo de aplicação, se for o caso, a sociedade, via poderes executivo e legislativo, das três esferas – federal, estadual e municipal, faz as correções pontuais. O problema atual do meio ambiente, não são as leis, é a ausência de fiscalização eficiente que possibilite a aplicação daquelas. Estamos trabalhando para mudar essa realidade, incorporando nas rotinas de fiscalização o uso tecnologia da informação, como drones, câmeras, entre outros.

Marcos Moreno – Como qualquer outra, a causa animal sempre terá suas urgências pelo simples fato da dinâmica da vida. Qual é o seu olhar nesse momento para a causa animal em Uberaba?

Dr. Carlos Valera – Uberaba felizmente avançou e continua avançando na causa animal, fruto do trabalho e parceria de todos os poderes constituídos. Uberaba é subscritora do Termo de Compromisso Positivodo projeto PRODEVIDA – Projeto de Defesa da Vida Animal, da Coordenadoria Estadual de Defesa Animal – CEDA – do Ministério Público do Estado de Minas Gerais – MPMG. Além do PRODEVIDA o município conta com uma Superintendência de Bem Estar Animal. Conta, ainda, com o trabalho valoroso de vereadoras e vereadores, que atuam na causa animal e, por fim, foram alocados no orçamento deste ano recursos para implementação de políticas públicas em defesados animais. Estamos avançando.

Marcos Moreno – O ideal de convivência entre humanos e animais épossível de ser alcançado em centros urbanos?

Dr. Carlos Valera – Tenho certeza que sim. Acredito e trabalho todosos dias com essa certeza. Temos que continuar a investir em educação ambiental e cobrar a implementação de políticas públicas eficazes como chipagem, castração ética, guarda responsável, combate aos crimes de maus tratos, entre outros. Juntos venceremos. Muito obrigado.