Drª Cristina Hueb Barata
Embora a COVID-19 tenha sido o problema de Saúde mais discutido durante o ano de 2020, iniciamos o ano de 2021 com o aumento crescente dos casos positivos e de óbitos e com perspectivas de agravamento da situação tanto em decorrência da perda da tolerância das pessoas frente as medidas preventivas, que também são restritivas, como devido ao aparecimento de novas variantes do SARS-CoV2 que podem representar uma ameaça a mais pois sua implicação na dinâmica e na gravidade da doença, ainda não estão esclarecidas.
Outro grande desafio pertinente a pandemia da COVID-19 será a vacinação. As dificuldades técnicas e políticas envolvendo o desenvolvimento das vacinas contra o SARS-CoV2, sua produção em larga escala, em quantidade suficiente para atender a demanda global e garantir a imunidade em grande parte da população mundial para que haja a interrupção da transmissão do vírus de forma pandêmica, será um desafio impactante na Saúde em 2021.Vários fatores serão desafiadores para que a campanha de imunização da COVID-19 seja bem sucedida: insumos, logística, produção e acompanhamento das reações adversas a vacina. O acesso Universal e gratuito das vacinas é fundamental para que a meta seja atingida, garantindo o controle da transmissão interpessoal do vírus e o fim da pandemia.
Embora a população esteja mais consciente da importância do setor público da Saúde, o processo de perda do financiamento, sucateamento e pouca valorização do SUS ao longo dos anos tornou-se um grande desafio em 2021. Outras doenças foram relegadas a segundo plano, pois não havia como oferecer assistência a essas pessoas, devido a superlotação e demanda excessiva dos serviços de Saúde pelos pacientes com Síndrome Gripal ou Síndrome Respiratória Aguda Grave. Essa demanda reprimida de pacientes, que não foram adequadamente atendidos, em decorrência da superlotação, da suspensão dos procedimentos eletivos ou por medo de contaminação em ambientes hospitalares, poderá colapsar o sistema de Saúde. O aumento do número de pacientes em filas de agendamento, agravamento das suas condições de saúde e dificuldade para diagnosticar e tratar algumas patologias que precisam de celeridade impactarão substancialmente o financiamento, uma vez que o valor destinado à Saúde só tem reduzido. Desse modo, medidas fundamentais, legais e institucionais precisam ser adotadas imediatamente para garantir a manutenção do serviço público de saúde, como rege a Constituição Brasileira que “Saúde é um direito de todos”.
Outro desafio que enfrentaremos em 2021 será cuidar dos idosos, mas também, do desenvolvimento das crianças de amanhã, com ênfase à saúde mental e ao desenvolvimento emocional da população. Hoje, no Brasil, o crescimento da população na faixa etária maior de 60 anos é o maior, representam 10% da população geral. Com expectativa de vida média próxima a 73 anos, as doenças crônicas decorrentes do envelhecimento requerem atenção especializada e contínua, os tratamentos são complexos, prolongados e caros. A necessidade de hospitalização e o uso constante dos serviços de atenção básica especializada do paciente estarão sempre presentes, o que pesará mais ainda no custo financeiro do SUS e Saúde Privada.
A saúde mental dos brasileiros será um ponto crucial no ano de 2021. O bem-estar físico e mental são indissociáveis. A pandemia da COVID-19 contribuiu para intensificar os problemas psíquicos e emocionais vivenciados por todos nós. O Brasil já apresentava altos índices de pessoas com depressão, o que foi agravado com as medidas restritivas e o distanciamento social. A solidão decorrente do isolamento social pode funcionar como um gatilho para as pessoas com alteração do humor e o sentimento de luto, com a impossibilidade de fazer o ritual de despedida de familiares ou amigos, deixando uma sensação de perda com sentimentos interrompidos. Essas mudanças bruscas e involuntárias dos hábitos de vida geram transtornos de diversas formas: alimentares, de sono, tabagismo, alcoolismo e uso compulsivo da internet. De alguma maneira essas pessoas deverão receber a atenção da sociedade e dos especialistas em saúde mental, especialidade essa pouco oferecida nos serviços públicos e ainda restrita aos serviços privados de saúde. As diversas notícias expostas nas mídias com multiplicação das ditas “Fake News” contribuíram de maneira calamitosa para aumentarem ou mesmo gerarem pânico na população, contribuindo ainda mais para a desinformação e intranquilidade num momento tão delicado.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) listou os dez principais desafios da saúde para o ano de 2021, após considerar o ano de 2020 devastador para a saúde global: dentre eles, alguns desafios não envolvem dinheiro, financiamentos ou mesmo tecnologias de ponta, apenas fazem referência ao que o mundo tem de melhor que são as pessoas onde os propósitos como solidariedade, humanidade, cooperação mútua e empatia podem fazer um mundo melhor. Em 2021, o cenário da medicina estará mudado. Será possível então pensar em novos recursos e tecnologias que poderiam nos colocar – por que não? – frente a frente com nossos médicos em uma consulta virtual. Mas tudo isso terá seu preço. “Planejar o futuro é juntar os elementos que estão disponíveis: muitas hipóteses frágeis e poucas certezas sólidas”. O ano de 2021 promete uma evolução da saúde e superação dos obstáculos que impactaram o ano de 2020, e que expôs as falhas e os desafios que o sistema de saúde enfrenta no dia a dia da assistência.
Para encerrar gostaria de deixar uma frase do Prof. Adib Domingos Jatene que é atemporal, dita por ele no período sem pandemia: “Estou há 60 anos envolvido nos problemas de saúde do Brasil. Tenho acompanhado, ao longo do tempo, o que tem acontecido. Embora estejamos vivendo momentos de perplexidade e dificuldade, avançamos muito e vamos continuar avançando”.
Prof. Drª Cristina Hueb Barata
Médica Infectologista do Setor de Vigilância em Saúde e Segurança do Paciente, Professora Associada do Departamento de Clínica Médica Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Uberaba-MG