Nossos Filhos - Síndrome da gaiola
Márcia Resende
"Fomos resilientes para nos adaptarmos a passar mais tempo sozinhos em casa e acho que, com a prática, as habilidades sociais vão voltar".
Dr. Alan Teo - Professor Associado de Psiquiatria da Oregon Health and Science University, em Portland
Todos nós temos vivido momentos de apreensão e desafios. Somos convocados a todo instante a dar testemunho, opiniões e a tomar decisões para nossas vidas e para a vida de nossos filhos.
E é sobre uma grande decisão que queria refletir com vocês, a volta às aulas e a influência desse retorno na vida de nossos filhos.
Tenho acompanhado grupos de pais, associações, professores e os relatos têm me preocupado.
Vocês já ouviram falar da “Síndrome da Gaiola”? Pois é, mais essa para nossa lista de novas síndromes, que não precisavam existir. A “Síndrome da Gaiola” foi nomeada pela psiquiatra Gabriela Lopes, da Associação Brasileira de Psiquiatria. Segundo Gabriela, a gaiola é aberta, mas o pássaro não quer sair. Isso explica bem os relatos que tenho ouvido sobre a insegurança que muitos adolescentes estão justificando para não voltarem à escola.
Doutor Guilherme Polanczyk, psiquiatra da infância e adolescência e professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP afirma que “Existem pessoas que estão muito assustadas com a pandemia, em um nível em que realmente não saem de casa e recebem, de uma forma muito distante, outras pessoas e estímulos externos”. Ele explica que “essas pessoas, na maior parte das vezes, já apresentavam algum tipo de transtorno, e, com a pandemia que constitui um estressor para todos, essas pessoas manifestaram um agravamento.
Isso não precisa ser encarado como uma doença, mas entendido como uma fase em que precisamos estar mais atentos. Nos países de língua inglesa, essa síndrome foi cunhada por Dr. Arthur Bregman, como “Cave Syndrome”, síndrome da caverna e não é considerada como um diagnóstico médico, mas sim a constatação de um fenômeno comportamental relacionado à necessidade que todos tivemos de nos manter seguros em virtude da pandemia. Dr. Alan Teo, professor associado de psiquiatria da Oregon Health and Science University, em Portland afirma que o que muitas pessoas podem passar, depois de viver em uma pandemia por um ano é ansiedade, que é uma emoção normal e apropriada de se sentir quando confrontada com um evento tão traumático. Sentir ansiedade não significa que você tenha um distúrbio ou síndrome, disse ele. E é dessa forma que precisamos encarar a “Síndrome da Gaiola” aqui no Brasil.
Nossos filhos em casa têm vivenciado muitos desafios e acompanhado de perto muitos dramas em família. Esse período tem exigido de nós um olhar mais carinhoso, fraterno e compreensivo para nós mesmos e para todos ao nosso redor.
E aí vem o dilema da volta às aulas presenciais, incentivá-los ou não a frequentarem a escola?
Ficar em casa tem sido agradável para muitos adolescentes. É muito cômodo estar em casa, mas esta permanência tem influenciado negativamente o amadurecimento e o desenvolvimento das necessárias relações pessoais. Nos grupos que acompanho, alguns pais relatam a indignação de verem os filhos despreocupados e acomodados com o fato de estarem em casa. Outros pais, narram conversas dos filhos, exaltados e eufóricos com a possibilidade dos reencontros, na volta às aulas. E, dentre estes, muitos temem pela contaminação dos filhos e deles próprios.
O fato é que nossos filhos precisam do convívio e a escola é a sua primeira rede social, fora do convívio familiar.
Ter amigos faz bem à saúde física e mental. Crianças precisam de outras crianças, para aprenderem a se relacionar. É assim que começam as interações, quando são testadas a empatia e a alteridade. Os adolescentes começam uma jornada de busca pela identidade, descobertas, prazeres e encontram isso em grupos com interesses parecidos e nas relações sociais.
As crianças menores de 11 anos têm, ainda pela frente, um tempo para serem acompanhadas e integradas aos grupos sociais. Não há urgência, apesar de também haver perdas.
Mas e os nossos adolescentes?
“Nesse período em que os adolescentes estiveram afastados uns dos outros e a interação com os amigos, as experiências que acontecem a partir dessas experiências, festas, viagens, namoros e conflitos não ocorreram. Houve perdas importantes em termos de desenvolvimento, então eles saem da pandemia ou iniciam uma retomada das atividades de uma forma gradual, na medida em que pandemia está mais ou menos controlada, com perdas e com déficits”, afirma o Doutor Guilherme Polanczyk.
Os jovens precisam usufruir da liberdade e independência, para testarem as possibilidades, terem autonomia para fazerem suas escolhas, que são muito importantes para o desenvolvimento da identidade de cada um deles. Mas, diferentemente do que pensávamos que poderia acontecer, neste momento de pandemia, de isolamento social, muitos dos nossos jovens ficaram resignados e acomodados. Aqueles adolescentes agitados, falantes, cheios de compromissos sociais, idas ao shopping, futebol, agora se limitam ao quarto, às séries, ao bate-papo online.
Seria medo, insegurança ou simples acomodação?
Alguns jovens que passaram por eventos de muito estresse devido ao Covid-19 ficaram marcados negativamente e permitiram que se abalassem por medo e insegurança. Fato é que, para muitos, o convívio com o mundo externo pode trazer uma certa hesitação, mesmo com todos os cuidados. “O lar é elevado à potência de proteção”.
Acreditamos também que há outros adolescentes que, acostumados com as facilidades de estarem em casa, preferem se relacionar virtualmente e apreciam a facilidade de fazerem suas atividades escolares, inclusive trabalhos e provas sem precisarem se expor.
Cada família sabe o que tem vivido, cada uma tem suas crenças, cada uma recebe uma orientação diferente e segue caminhos e receitas diversas.
A verdade é que nossos adolescentes precisam se socializar, precisam estar cientes dos benefícios que o encontro proporciona na vida das pessoas.
Para os que ainda estão inseguros, é importante uma retomada gradual acompanhada de perto pelos pais e por profissionais que podem orientá-los nesse momento.
Os professores também podem contribuir fazendo, no retorno às aulas, momentos de acolhimento e de escuta, para entender a nova realidade de cada aluno.
Para estes casos, Dr. Arthur Bregman orienta pais e filhos a seguirem três passos: “ter atenção plena, atitude e visão.”
1 - Estar atento ao que nos incomoda e ao que incomoda nossos filhos. Nós pais, conhecemos nossos filhos, sabemos distinguir as reações que são passageiras, de atitudes diferentes das costumeiras e algum comportamento que pode ser reflexo de um sofrimento ou medo. Instigar nossos filhos a serem específicos sobre o que os está incomodando é uma ótima maneira de começar a enfrentar o problema de frente. Nossos filhos precisam confiar em nós e saber que podem pedir ajuda se algo não estiver caminhando de forma prazerosa e leve.
2 – Ensiná-los a terem uma atitude positiva sobre o que os está deixando nervosos. O que isso significa, exatamente? De acordo com o Dr. Bregman, é fundamental acreditar que coisas boas podem acontecer quando eles saem de casa. Ao contrário de se concentrarem em medos, é importante que eles pensem em todos os grandes resultados positivos e prazeres que terão nos reencontros.
3 - Visualize tudo o que você pode fazer quando sair do seu ninho. Devemos ajudá-los a lembrar de todas as coisas que adoravam fazer antes de março de 2020. Eles devem se imaginar fazendo-as novamente. É uma sensação que eles devem experimentar. Peça a eles para respirarem fundo e rolar rapidamente pelas fotos do Instagram para relembrar todas as coisas divertidas que faziam antes do COVID.
Eles devem começar a sair gradualmente. Ah, não vamos pressioná-los! Não podemos minimizar o sentimento que eles expressarem. A gaiola precisa estar aberta e os nossos passarinhos precisam ser orientados a voarem com segurança.
É possível!
Márcia Resende
Especialista em Teen, Life e Professional Coaching. Escritora de textos motivacionais, de liderança e comportamento para a página Coaching e Champanhe for Woman, de Portugal, para o Portal R2S e para a revista da Sociedade Latino Americana de Coaching.
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