Márcia Resende


Freud afirmou que é muito difícil falar sobre o tempo atual, sobre o nosso tempo, já que, ao tomá-lo como objeto, seria necessário dar um passo fora dele, um passo para olharmos mais atentamente e sem julgamento. Com esta liberdade de observação, conseguimos ficar mais alertas aos modelos impostos neste mundo e que podem ser modelos que não nos servem, que nos doutrinam ou que nos fazem presos a formas de agir, de pensar e de nos comportarmos. 

E de onde vêm esses modelos com suas doutrinações e cárceres? Posso alegar que um grande percentual vêm das redes sociais. Somos muitas vezes instigados a nos posicionarmos, manipulados psicologicamente a evidenciar nossas vidas, nossas intimidades e até segredos. O esforço de “fazer-se visível” ao outro é uma dramática exigência de transparência e a visibilidade é uma exigência dos dias atuais. Diz Han (2018, p. 12) que a hipervisibilidade é obscena, pois não admite espaço para o secreto, o inacessível. O mundo privado, ou aquilo que poderia gerar pudor e vergonha e resistir à luz, é convocado a “re-velar-se”. 

E diante de tanta exposição, da necessidade de ser aceito, tenho uma pergunta. Como andam as relações sociais dos nossos filhos em tempos de isolamento social e com tanto tempo exposto no espaço virtual? 

Esta semana atendi uma mãe que estava em pânico. Ela relatou que a filha, de 14 anos, estava estranha, muito quieta, calada, muitas olheiras e quase não se alimentava.   Contou-me que, preocupada com a mudança radical da filha, começou a vigiar as redes sociais que ela acessava, Instagram, TikTok, WhatsApp e foi no Discord que ela descobriu que a filha estava sofrendo cyberbullying.    



O cyberbullying é o bullying realizado por meio das tecnologias digitais. Pode ocorrer nas mídias sociais, plataformas de mensagens, jogos e celulares. É o comportamento repetido, com intuito de assustar, enfurecer ou envergonhar aqueles que são vítimas e é ainda mais cruel que o bullying tradicional. 

No espaço virtual, os xingamentos e as provocações atormentam permanentemente as vítimas. Antes, o constrangimento ficava restrito aos momentos de convívio na escola ou nos encontros sociais. Agora as vítimas ficam expostas o tempo todo. Os jovens utilizam cada vez mais ferramentas de internet e de troca de mensagens via celular para esse fim e são bastante cruéis. 

Quando se trata de bullying e cyberbullying, é comum pensarmos que há apenas dois envolvidos: a vítima e o agressor. Mas os especialistas alertam para um terceiro personagem fundamental: o espectador. 


Vítima 

Geralmente as vítimas de cyberbullying ficam mais tímidas, angustiadas, mudam sua forma de agir, ficando às vezes mais agressivas. Algumas têm crises de ansiedade. Muitos se sujeitam aos ataques do agressor com medo de serem excluídas do grupo ou por vergonha de serem ainda mais expostas.  



Agressor

Atinge o colega com repetidas humilhações ou depreciações porque quer ser mais popular, se sentir poderoso e obter uma boa imagem de si mesmo. É uma pessoa que não aprendeu a dialogar, não é empático e o sofrimento do outro não é motivo para ele deixar de agir. Mantém esse comportamento por longos períodos, fazendo da vítima um encarcerado. 



Espectador
Nem sempre reconhecido como personagem atuante em uma agressão, é fundamental para a continuidade do conflito. O espectador é uma testemunha dos fatos, não sai em defesa da vítima. Ele pode até ter senso de justiça, mas tem medo de também ser alvo de ataques. Atuam como uma plateia às vezes passiva, mas em sua maioria ativa, uma torcida, reforçando a agressão, rindo ou dizendo palavras de incentivo. Retransmitem imagens ou fofocas, tornando-se coautores ou corresponsáveis. 

E o que nós pais podemos fazer? Precisamos estar atentos aos comportamentos discrepantes dos nossos filhos. O diálogo sempre será a melhor forma de resolver qualquer situação. Devemos orientá-los a não exporem as suas vidas nas redes sociais, principalmente sua intimidade. Se for vitimado por alguma agressão devemos incentivá-los a confiarem em nós e nos contar o ocorrido, antes de tomarem qualquer outra atitude. É necessário que nós acompanhemos de perto o que acontece na vida virtual dos nossos filhos. Não devemos fazer nada escondido, em segredo, pois eles devem entender que essa atitude significa zelo, cuidado com a saúde e o bem-estar deles.

Nossos filhos podem ser vítimas, espectadores ou agressores, por isso precisamos ensiná-los a olhar para o outro com mais alteridade, criar relacionamentos saudáveis, em que respeitem e tolerem as diferenças e tenham senso de proteção coletiva e lealdade. Eles precisam desenvolver a capacidade de se preocuparem com o outro. Precisam ainda, construir uma imagem positiva de si mesmo e de quem está no entorno.

Lembrem-se de que o cyberbullying é passível de punição por meio do Código Penal. Quando o agressor é menor de idade, nós pais somos responsáveis, respondemos pelos crimes. Podemos ser condenados a pagar indenizações à vítima e à sua família. 

As agressões são virtuais, mas os estragos são bem reais. 

Que possamos incentivá-los a criarem laços verdadeiros de respeito, de amor, de empatia e alteridade. 

É possível!


Márcia Resende

Especialista em Teen, Life e Professional Coaching. Escritora de textos motivacionais, de liderança e comportamento para a página Coaching e Champanhe for Woman, de Portugal, para o Portal R2S e para a revista da Sociedade Latino Americana de Coaching. 

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