Advogadas defendem maior inserção no mercado para profissionais jovens

Jornalista Juba Maria



Em Hipóteses de Amor, publicado originalmente em 1984, a poeta Annalisa Cima convida a um itinerário de reflexão sobre a nossa existência. Do “correr do tempo” ao “infinito modo do conhecimento”, “resta o gosto de reinventar apagada a última luz do habitual”.  


Hipóteses de Amor – livro publicado originalmente em 1984


Poeta Annalisa Cima


O gosto das mulheres por reinventar seus modos de luta é antigo, inclusive no universo jurídico. As histórias de Myrthes Gomes de Campos e Esperança Garcia são exemplos disso. Considerada a primeira advogada do Brasil, Myrthes Gomes de Campos demorou até conseguir atuar. Após se formar na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1898, encontrou inúmeros empecilhos. O primeiro deles, para registrar o diploma. Depois, para ser aceita no quadro efetivo de sócios do Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, o que era um requisito para o exercício da profissão. Apenas oito anos após sua formatura, em 1906, Myrthes conseguiu finalmente o registro, abrindo caminho para outras mulheres.


Myrthes Gomes de Campos, considerada a primeira advogada do Brasil


Esperança Garcia, mulher negra e escrava, é considerada, simbolicamente, a primeira advogada do Piauí. O título foi conferido pela Ordem dos Advogados do Brasil em 1979 depois de descoberta uma carta de Esperança ao governo do estado denunciando a situação de maus-tratos por que passava.


Esperança Garcia é considerada, simbolicamente, a primeira advogada do Piauí  


Carta de Esperança ao governo do estado, denunciando a situação de maus-tratos por que passava


Neste texto, vamos conhecer como o gosto por reinventar as formas de luta tem conduzido mulheres a enfrentar as desigualdades racial e de gênero na advocacia, em especial em Uberaba. E o que elas sugerem para melhorar as condições de trabalho das advogadas.


Racismo estrutural 

Em 2019, um levantamento feito pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, de São Paulo, constatou que os negros representam apenas 1% dos advogados de grandes escritórios. 

A advogada uberabense Ivanda Nivaldete Vieira da Cruz, graduada pela Universidade de Uberaba, por exemplo, sabe bem como é isso. Inconformada com ambientes conservadores e majoritariamente masculinos, ela escolheu atuar de forma independente. “Ter meu próprio escritório, de certa forma, me dá liberdade para trabalhar”, conta. Por outro lado, as situações de assédio ou a resistência de alguns clientes em pagar um preço justo pelo serviço são alguns dos problemas enfrentados no dia a dia. Ivanda enfatiza que a busca pelo autofortalecimento e a oferta de um atendimento humanizado são os caminhos que escolheu para superar os desafios. “Já precisei lidar com muitas situações de preconceito por ser mulher e preta”, revela. A advogada conta que chegou a ser questionada se era mesmo dona do escritório que, inclusive, leva o seu nome.


Ivanda Nivaldete Vieira da Cruz


Tripla jornada  

Na advocacia, como em qualquer profissão, as mulheres encontram um cem número de obstáculos seja no campo material seja no mundo subjetivo. Nas palavras de Annalise, “talvez bastasse uma lâmina para trinchar pensares”. Não seria diferente para a também uberabense, Patricia Teodora da Silva.

A advogada conta que a maior dificuldade que encontrou, por ser mulher, foi a tripla jornada de trabalho. Ou seja: precisava estudar, trabalhar, cuidar dos filhos e da casa. Ela se refere, principalmente, ao período em que cursou a graduação, na Universidade de Uberaba. Isso sem falar que enfrentou duas separações e decidiu ser dona do próprio negócio após abandonar o serviço público. 

O caminho de Patrícia exigiu determinação. Hoje ela também administra o próprio escritório e conta que ainda estamos longe de uma verdadeira paridade de gênero na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Judiciário e no Ministério Público. E ela está certa. 

De acordo com a pesquisa “Como está a diversidade de gênero nos escritórios de advocacia no Brasil”, embora sejam 57% dos profissionais em escritórios, somente 34,9% das mulheres fazem parte do quadro de sócios de capital. Em outras palavras, quando uma mulher ingressa em uma banca, as chances de se tornar sócia são menores em relação a um homem. A pesquisa foi conduzida pela Women in Law Mentoring Brazil (WLM) com dados coletados em setembro e outubro de 2018 por meio de uma pesquisa online. O estudo contou com a participação de 55 sociedades, totalizando 3.715 profissionais.


Patrícia Teodora


Soluções? 

Para Patrícia, a luz no fim do túnel ainda está distante, apesar das bandeiras que têm sido levantadas nos últimos anos. Isso porque, segundo ela, a questão da mulher tem sido usada apenas de forma eleitoral, porém sem políticas públicas concretas. 

Consequentemente, ela aponta uma falsa percepção de melhoria enquanto o que se percebe é a manutenção do mesmo pensamento machista estrutural de outrora. Patrícia aponta que é preciso reivindicar salários melhores para as mulheres. “Muitas são contratadas em escritórios de advocacia com salários insuficientes para uma verdadeira inclusão”, diz.


Políticas públicas 

Nesse itinerário de “caminhos de musgo”, as advogadas analisam ainda as dificuldades porque passam as mulheres na profissão. Para se ter uma ideia, segundo os dados da WLM, 59,8% dos profissionais que pediram demissão em 2017 foram mulheres. Percebe-se, portanto, que o caminho é longo. Ou seja: empresas e escritórios ainda têm muito o que fazer para garantir que a mulher advogada conquiste seu espaço. 

Para Ivanda Nivaldete, não é possível uma maior participação de mulheres na advocacia sem políticas justas. "Creio ser necessário o respeito ao princípio da igualdade e, mais do que isso, a implementação de cotas, obrigando uma contratação proporcional entre homens e mulheres, para evitar tratamento desigual”, observa. Em razão do preconceito, segundo a advogada, muitas são as empresas que ainda preferem contratar homens. Elas fazem isso, principalmente, porque “mulher engravida”. Ou seja, porque se afastam ou se ausentam em decorrência da maternidade. 

De acordo com dados da OAB, a proporção de homens advogados é maior entre os profissionais mais antigos(as) (54,2% dos profissionais de 41 a 59 anos de idade). Por outro lado, o percentual de mulheres vem aumentando entre os profissionais mais jovens (62,7% dos profissionais com até 25 anos de idade). O problema, segundo Patrícia, é a quantidade de mulheres que acabam desistindo da profissão em razão dos assédios, preconceitos ou mesmo pela falta de estrutura. Na avaliação dela, em Uberaba, os juízes são respeitosos nas salas de audiência, os advogados têm mudado a postura em relação ao machismo e é possível perceber muitos colegas com posições progressistas. “No entanto, ainda é difícil para a jovem advogada, e temos muitas barreiras a vencer”, conclui.


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