Jornalista Juba Maria


Mulheres de Uberaba lidam com aumento da demanda local em meio a pandemia e se esforçam para desenvolver uma atuação que exige, cada vez mais, compromisso com a causa social.

Nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade das residências do país enfrentaram algum grau de insegurança alimentar. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. O levantamento foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e mostra uma realidade que algumas mulheres de Uberaba estão enfrentando de perto: os pedidos de ajuda, especialmente de alimentos, aumentaram - e muito - desde o início da pandemia.

Para entender um pouco da situação da população local, iniciamos uma série de entrevistas que vão ilustrar as próximas edições da revista. Dessa vez, decidimos ouvir três mulheres que estão à frente de importantes ações de voluntariado na cidade. Em comum, todas estão preocupadas em promover o que podemos chamar de “solidariedade crítica”. Ou seja, não basta ajudar, é preciso refletir sobre a prática e melhorar sempre.

Para a advogada e estudante de serviço social, Renata Aparecida Trindade, a rotina de trabalhos voluntários é antiga. Ela conta que, devido à pandemia da COVID-19, se sente com as mãos atadas. “Minha rotina de mãe e estudante não me permite auxiliar na mesma medida em que recebo pedidos de ajuda e isso é muito frustrante”, conta. O hábito de ajudar começou na infância, quando precisou auxiliar a própria mãe, que sofria violência doméstica. Depois, com o tempo, notou que as pessoas procuravam por ela espontaneamente para pedir ajuda. Não parou mais. Ela reflete sobre sua atuação. Enquanto a caridade é um ato imediato, o voluntariado solidário chama para ação. “No verdadeiro voluntariado, você contribui com outra pessoa de forma ativa para que uma transformação realmente aconteça”, diz.  

 

Renata Trindade


Agnes Karlowa de Almeida também acredita que o voluntariado prescinde de uma postura diferenciada. Ela desempenha esse trabalho há mais de 15 anos. Mas, as ações ficaram ainda mais recorrentes depois que um acidente grave, há alguns anos, fez com que ficasse impossibilitada de trabalhar. Com isso, decidiu dedicar o pouco tempo disponível para ajudar aos demais. “As dores são muitas, então tenho que fracionar meu tempo entre deitar, sentar e andar”, revela. Mas nunca falta energia para auxiliar quem precisa. “Me dei conta de que a fome não pode esperar”, diz. 

Segundo ela, quando estamos falando de caridade, é preciso ter humildade, respeito e carinho pelo próximo. “Devemos ter muito cuidado para não expor a pessoa que vamos auxiliar, sendo com palavras, gestos ou atitudes”, pondera. Antes do acidente, Agnes trabalhava há mais de uma década como gerente de uma loja de departamentos. “A gente se segura para ser forte, mas na maioria das vezes a gente chora'', revela.

 

Agnes Karlowa de Almeida


Patrícia Andrade sabe bem a importância de um voluntariado crítico na vida das pessoas. Depois de sair de um relacionamento abusivo, em 2017, passou a contar sobre sua história e a ajudar outras mulheres que passaram pela mesma situação. Foi quando percebeu que, quanto mais ajudava mais aprendia e, consequentemente, melhor se sentia. “Percebi que com minha experiência de superação eu poderia ajudar outras mulheres'', conta. 

Ela também acredita que o trabalho solidário precisa ser realizado com compromisso ético, pois corre-se o risco de humilhar a pessoa que recebe algum auxílio. Além disso, a diferença entre a pessoa caridosa e aquele que exerce um voluntariado solidário é gritante. “O caridoso vai, ajuda e termina seu trabalho. Já o voluntário está ali constantemente”, reflete. Embora poucos consigam perceber a diferença entre voluntariado, caridade e solidariedade, refletir sobre a prática do voluntariado pode ajudar a melhorar ainda mais uma atuação que pode trazer grandes benefícios sociais coletivos.

 

Patrícia Andrade


Os professores Lucilda Selli e Volnei Garrafa chegaram a analisar justamente as motivações que levam os voluntários a exercerem tal atividade. No levantamento que divulgaram em 2004, perceberam que as pessoas são voluntárias para “ajudar as pessoas”, “tornar as pessoas mais autônomas”, “contribuir na construção da justiça”, “reduzir as disparidades sociais”, “cumprir com a sua parte como membro da sociedade”. Faltaria, contudo, segundo eles, perceber que, além da disponibilidade interna, a solidariedade crítica é uma prática que supõe sujeitos engajados, politizados e comprometidos. “A mola propulsora à atividade voluntária solidária é o reconhecimento do outro como sendo um humano igual a cada um de nós e, como tal, digno”, concluíram na ocasião.


Volnei Garrafa, docente da UnB, mais antigo na ativa


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