Por Natália Salge Soares
Advogada Especialista em Direito Administrativo e Servidores Públicos
O assédio pode ser configurado como condutas abusivas exaradas por meio de palavras, comportamentos, atos, gestos, escritos que podem trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo o seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.
Historicamente, o setor público é marcado por uma hierarquia rígida e uma cultura que, em muitos casos, pode facilitar o surgimento e a perpetuação de práticas abusivas. Essas práticas incluem desde a sobrecarga de trabalho até o isolamento, a ridicularização e a desqualificação profissional, criando um ambiente hostil e desmotivador. O problema se torna ainda mais complexo devido à estabilidade no emprego, que, embora seja uma proteção para o servidor, em alguns casos pode também contribuir para a persistência de ambientes tóxicos de trabalho, onde os indivíduos sentem-se impotentes para provocar mudanças ou buscar justiça.
No ambiente profissional, esse fenômeno vai além das desavenças, impactando negativamente a integralidade e a dignidade da pessoa humana.
No Brasil foram registrados entre 2028 e 2022, cerca de 54% das denúncias, sendo que entre 2021 e 2022, os casos de assédio moral e sexual aumentaram em 13% proporcionalmente. Para caracterizar uma situação de assédio moral, não é necessário ter uma diferença hierárquica entre o agressor e a vítima, embora seja comum que o assédio exista enquanto exercício de poder hierárquico.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.286.466/RS, sendo relatora a ministra Eliana Calmon decidiu:
"A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém."
Destaca-se que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são fundamentos da República. (CF, artigo 1º, III e IV). E que a ordem social tem como base o primado do trabalho. (CF, artigo 170)
"No Brasil, a dignidade da pessoa humana figura como 'fundamento da República' no artigo 1º, inciso III, da Constituição brasileira. O princípio já foi apontado pela nossa doutrina como o "valor supremo da democracia", como a norma das normas dos direitos fundamentais, como 'princípio dos princípios constitucionais', como o coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana."
A propósito, o trabalho é Direito Fundamental (artigo 6º, CF), e, portanto, deve a Administração Pública pautar sempre sua conduta consoante os princípios da dignidade humana, legalidade, impessoalidade e moralidade promovendo a tutela dos direitos fundamentais e meios de combate ao assédio moral, com ênfase na prevenção e inibição da conduta abusiva.
"O Princípio Constitucional da Legalidade é um antídoto contra o assédio moral. O administrador público não tem vontade. Não tem desejo. Ele é um mero executor do ato. Mero executor da lei, vale dizer, sua conduta tem que ser pautada na legalidade constitucional."
De um modo simples: o assédio moral é a reiteração da violação da dignidade humana.
"Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido."
O assédio vem do latim ad sedere, que significa "sentar-se em frente de". Há o sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, constrangido e humilhado. Dessa maneira, assediar, significa perseguir com insistência, que é o mesmo que molestar, perturbar, aborrecer, incomodar, importunar.
O assédio moral é muito antigo na história. O homem sempre foi o lobo do próprio homem (Hobbes). Porém, somente na década de 1980 é que começa o seu estudo científico pelo médico alemão Heinz Leymann e, posteriormente, pela psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, que conceituou o assédio moral:
"qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra à dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. "Toda conduta reiterada dos agentes públicos, no âmbito da Administração, que deteriorando o ambiente do trabalho e qualidade do serviço, viola a dignidade humana ou/e a integridade física e emocional dos servidores públicos."
Vale acentuar, que para Convenção 190, da OIT, de 2019, basta apenas uma conduta perversa, para tipificar o assédio moral. Não obstante, o majoritário na doutrina e jurisprudência é que a conduta do assediador tem que ser reiterada.
Logo, é suficiente o elemento normativo "conduta reiterada" e "viola a dignidade". Não é necessário o dano psíquico emocional ou físico para caracterizar o assédio moral. No mesmo sentido, Sergio Pinto Martins [6] onde "o dano psíquico não é, portanto, elemento para caracterização do assédio moral". Um só ato seria dano moral, e, se for o caso, crime de calúnia, injúria ou difamação. Nem todo dano à personalidade configura o assédio moral, mesmo sendo ato de violência. Por outro lado, poder-se-ia classificar o assédio como uma espécie do gênero "dano moral". Aliás, à luz da Constituição vigente o dano moral nada mais é do que violação do direito a dignidade, consoante Sergio Cavalieri. O assediador demonstra preferência pela manifestação não verbal de sua conduta. É para dificultar sua estratégia. Quando ele é acusado diz que: foi mal-entendido. Que o servidor é sensível ou está se vitimizando.
O artigo 2º Lei nº 3921/2002, considera assédio moral o desvio de função. Vejamos: "determinar o cumprimento de atribuições estranhas ou atividades incompatíveis com o cargo do servidor ou em condições e prazos inexequíveis; designar para funções triviais, o exercente de funções técnicas, especializadas ou aquelas para as quais, de qualquer forma, sejam exigidos treinamento e conhecimento específicos". Nesse direcionamento editou-se a Súmula nº 378, do STJ, contra o enriquecimento ilícito da administração: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.
O assédio moral, como fenômeno social de tempos antigos, porém de reconhecimento recente, configura-se como uma praga a ser combatida, por razões: humanísticas, sociais e econômicas; visto que o assediador, desestimula e adoece os servidores públicos e, por óbvio, diminui a produtividade e eficiência.
O Assédio moral e sexual organizacional remetem a comportamentos similares, porém o segundo é praticado com a conivência da organização na qual ele acontece, seja ela pública ou privada.
É crucial desmitificar alguns pressupostos sobre o assédio moral no trabalho. É comum que ele seja erroneamente compreendido como fenômeno pontual ou restrito a situações extremas. As características são identificadas pelas ações comportamentais de cunho repetitivo e habitual, geralmente padronizado através de um comportamento que se repete ao longo do tempo; direcionado a uma pessoa ou a um grupo de forma intencional, isolada, injustificável e camuflada. Registra que o assédio moral pode se manifestar de maneiras sutis e persistentes, minando a autoestima e a saúde mental da vítima em caráter de crime continuado e recorrente ao ambiente de trabalho.
Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da legislação e da jurisprudência sobre o assédio moral no serviço público brasileiro. Busca-se fornecer uma visão abrangente do tema, enfatizando a importância de um ambiente de trabalho saudável e respeitoso, essencial para a eficácia e a integridade da administração pública.
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