Evacira Coraspe
Jornalista e Administradora
A lógica de um mundo moderno e industrial arrebatou o provincianismo de São Paulo nas primeiras décadas do século XX. A chegada de imigrantes, o crescimento vertiginoso do número de habitantes da cidade e as transformações arquitetônicas e tecnológicas imprimiam um novo ritmo de vida, que se aproximava daquele experimentado pelas grandes capitais do mundo. Chegara, enfim, ao Brasil o tempo da velocidade e da modernidade.
São Paulo era um lugar sintonizado com o espírito moderno em vários aspectos; mas, sem dúvida, naquele ano em que se comemorava o centenário da independência política e econômica de Portugal, demandava-se por liberdade criadora nas artes brasileiras. Até então, predominavam os modelos estéticos europeus. Os artistas modernistas buscavam uma consciência criadora nacional, livre de academicismos e com um nacionalismo crítico. Combatiam as regras rígidas de composição e o beletrismo, expressão de um preciosismo vocabular não cultivado pelos falantes brasileiros. Assim, a professora e mestre em estudos linguísticos, Rowena Borralho Monteiro explica o momento e a motivação da Semana de Arte Moderna no Brasil, de 13 a 17 de fevereiro de 1922, que marcou a estética artística do início do Modernismo Brasileiro.
Graduada em letras, especialista em crítica literária e ensino de literatura, a professora esteve na comemoração dos 100 anos da Semana, visitando a exposição que marcou a data.
Foto: arquivo pessoal
O evento
Sobre o evento em si, Rowena esclarece que, embora chamado “semana”, foram três dias de exposições, apresentações e conferências: 13, 15 e 17 de fevereiro. No saguão principal foram expostas aproximadamente cem obras, entre pinturas (dentre elas, 20 de Anitta Malfatti), esculturas (12 de Victor Brecheret, italiano conhecido como o “Rodin brasileiro”) e projetos arquitetônicos. O Homem Amarelo, Cabeça de Cristo, Bohêmios, dentre outras obras, arrepiavam os espíritos mais reticentes ao novo estilo.
Igualmente surpreendentes foram os eventos no espaço do palco, com manifestos em promoção da linguagem moderna, música e declamação de poesia. Um dos pontos altos do evento e, também, a surpresa com a irritação do público, foi a interpretação do poema O Sapo, de Manuel Bandeira, por Ronald de Carvalho. O texto ironiza a poesia parnasiana, que era amplamente admirada e consumida por grande parte do público da noite, no Municipal.
A mestre traz um trecho onde é possível observar a crítica do moderno ao apego à justa forma do cânone literário “O sapo-tanoeiro, / Parnasiano aguado, / Diz: - "Meu cancioneiro / É bem martelado. / Vede como primo / Em comer os hiatos! /Que arte! Nunca rimo / Os termos cognatos.”
Rowena Borralho Monteiro. Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal
O legado
Mário de Andrade, o grande intelectual do movimento, em uma conferência realizada em 1942, no aniversário dos 20 anos da Semana, destaca como grande ganho a libertação do colonialismo da inteligência brasileira, fruto da conquista do direito à pesquisa estética e, consequentemente, da conquista da consciência criadora nacional, destaca Rowena.
Ainda acrescenta que a desestabilização de modelos passadistas, a problematização de posturas descompassadas e o olhar crítico para a constituição da identidade nacional são marcas incontornáveis da geração de 22. Mais tarde, serão basilares para as outras fases do Modernismo e para o surgimento do Teatro Oficina, do Cinema Novo, do Tropicalismo e da arte contemporânea.
“A arte é sempre marcada pelo seu tempo. A nossa modernidade nos lança outros desafios, em todos os campos. Estejamos atentos”, pontua.
A celebração dos cem anos da Semana
A professora Rowena Borralho esteve nas comemorações do centenário, com grupo cultural e fez análise crítica do que viu:
“Em todo o país, houve grande interesse na comemoração do centenário da Semana, que pelo seu status coletivo, foi capaz de iniciar um movimento e fortalecer a modernidade tímida que chegara ao país, anos antes. A mídia impressa e digital, bem como encontros presenciais e on-line, lançaram luz sobre o acontecimento e nos provocaram a observar transformações de ordem ética e estética no campo das artes.
Nesse sentido, a Pinacoteca de São Paulo, que se preparou para festejar o aniversário, destacou no seu acervo permanente mais de cem obras de artistas modernistas. O visitante da exposição transitou entre obras de três séculos de arte brasileira e pôde analisar rupturas e permanências.
Antropofagia, de Tarsila do Amaral, foi uma das obras que mais atraiu o público. Seu nome remete ao Manifesto Antropofágico, um dos pilares da primeira fase do Modernismo, e as duas figuras que se destacam na pintura lembram duas obras icônicas, a Abaporu e A Negra, da mesma artista.
Celebrações marcantes também ocorreram em outros espaços da capital. No Theatro Municipal, houve noites temáticas aos finais de semana de fevereiro e março. A ópera cômica de Mario de Andrade, Pedro Malazarte (por Camargo Guarnieri), apresentada junto à Orquestra Sinfônica de São Paulo, encantou e divertiu muitos uberabenses que lá estiveram. O tema está vivíssimo! E que sejamos modernos a ponto de reconhecer e combater anacronismos, preconceitos e misérias, quer materiais ou intelectuais.”
Cartaz Semana de Arte Moderna. Foto: arquivo pessoal
Frases marcantes
“Sejam sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural...” Monteiro Lobato, em Paranoia ou Mistificação, texto em que rechaçou o estilo vanguardista de Anita Malfatti.
“Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de ‘horrores’ (…) Outros ‘horrores’ vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mais transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do passado. Para estes retardatários a arte ainda é o belo.” Graça Aranha, na conferência “A emoção estética na arte moderna”, no primeiro dia da Semana de 22.
“Lirismo: estado afetivo sublime-vizinho da sublime loucura. Preocupação de métrica e de rima prejudica a naturalidade livre do lirismo objetivado.” Mário de Andrade, no Prefácio Interessantíssimo, de Pauliceia Desvairada.
“Tupi or not Tupi, that’s the question.” Oswald de Andrade, no Manifesto Antropofágico, de 1928.
“O que o artista tem por meta é a expressão de sua humanidade, para a qual o assunto não importa.” Sérgio Milliet.
ROCOCÓ
HOMENAGEM
As chiteiras do Grupo Arte na Chita foram homenageadas no dia do Artesão, comemorado em 19 de março, pela Casa do Artesão. As mulheres bordadeiras no tecido Chita se destacaram, mesmo durante a pandemia, quando se movimentaram nas redes sociais e em ações beneficentes. A união e interação são pontos fortes do grupo. As chiteiras participam do corredor cultural na Concha Acústica, organizado pela Fundação Cultural de Uberaba.
ELA NA COORDENADORIA
A cientista social, pós-graduada em Sociologia Lucimira Reis, foi nomeada coordenadora de Política de LGBT, da Fundação Cultural de Uberaba. Por mais de 20 anos, Lucimira atua nesse eixo, organizando eventos científicos em defesa da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti e intersexual. A Coordenadora cursa Psicologia, fundou e preside o Instituto Gegaya de Direitos Humanos. Sua principal missão na coordenadoria será a implantação de políticas públicas para o setor.
LIVRO
Mais um estudo sobre as obras de Monsenhor Juvenal Arduini está ao nosso alcance. Desta vez o livro “Travessia de Libertação – Vida e Obra de Juvenal Arduini”. A obra é coordenada pela professora Vânia Rezende e surgiu na pauta da UPOP-JA – Universidade Popular Juvenal Arduini, instituída e coordenada pelo médico e escritor Jorge Bichuetti, que também faz a apresentação do livro.“Não é propriamente uma biografia com apresentação de eventos da vida de Juvenal Arduini alinhados cronologicamente. O livro se identifica como uma reunião de vozes sobre Juvenal Arduini, que afirmam a importância do seu legado profético, corajoso, numa linha crítico, filosófica e antropológica humanitária, pleno de atualidade,” revela a coordenadora. O livro é composto por sete artigos sobre o autor e sua obra; testemunhos e depoimentos de quem conviveu com ele em diversos momentos e experiências. Para Jorge Bichuetti, amigo de Juvenal Arduini, idealizador da obra, trata-se de um livro potente, belo, horizonte de esperança. "Vamos seguir sonhando, lutando, estradeando, primaverando.. Sobre a noite do lançamento, ele diz: " A UPOP está cantando. Carrego essa noite como chama e semente que guardarei, multiplicando."A capa é do artista plástico Paulo Miranda e o miolo traz imagem criada pelo artista Hélio Siqueira. A realização do projeto é do grupo UPOP - JA. Patrocinado pela Unimed Uberaba/Hospital Unimed (São Domingos) e editado pela 3 Pinti.
FILME
Em breve teremos novidade com lançamento do filme Odisseia Zebu, rodado em Uberaba, com profissionais uberabenses. O diretor é Filipo Carotenuto. Como produtores estão Ricardo Tilim e Aldo Pedrosa. Aldo também é roteirista da obra. Produzido pela Technoscope Films. Odisseia Zebu apresentará um drama épico misturado com aventura, que mostrará a jornada do jovem Ulisses Amagobo, personagem fictício criado a partir da junção de várias histórias verídicas dos grandes pioneiros na importação do gado indiano zebu para o Brasil.
EXPOSIÇÃO
‘Ruídos e Silêncios’ deu nome à grande exposição do artista plástico Paulo Miranda, de março a maio, na galeria de Arte Lourdes Saraiva, em Uberlândia–MG. Paulo é diretor de Artes da Fundação Cultural de Uberaba. O artista levou 11 obras para a exposição. Uma mede 2,30 por 5,20 metros. E um trabalho menor de 30x30 centímetros.
Teatro Musical da Passarinha
A história da Passarinha, espetáculo apresentado em libras e com audiodescrição, que esteve em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, é produzido e encenado por artistas com vínculos uberabenses.
A narrativa acontece em uma pequena cidade do interior que não tem teatro. Lá moram uma menina que quer muito conhecer essa arte, uma mulher que tem o nome de ópera e sonha em voar e um menino surdo que quer dançar. Um dia, quase que por milagre, eles recebem a visita de uma cantora de ópera. Depois dessa visita-ave-música, a vida ganha outros contornos, outros voos. O espetáculo recebeu comentários bastante positivos da crítica especializada.
“O teatro é assim, feito também de milagres e perguntas. Vem descobrir”, diz Thaís Cólus, Produtora Executiva do Musical da Passarinha. Destacam-se Mayume Maruki, cenógrafa; Emílio Rogê, diretor e dramaturgo; Daniel Costa, ator; Juliana Castejon, assessora jurídica e Kiko Pessoa, músico.
Feira Literária Araxá
A décima edição da FliAraxá, grande evento literário nacional, colocou a abolição e a independência em foco e aconteceu no período de 11 a 15 de maio de 2022. A tradicional Feira Literária contou com curadoria do escritor e produtor cultural Afonso Borges, que em 2012 criou o Festival. Curadores assistentes, Luiz Humberto França, Rafael Nolli e Rodrigo Feres. Na programação: palestras, livraria, exposição de artesanato com destacados grupos regionais e concurso de redação, definidos em três categorias. Foi gratuito o acesso à FliAraxá, graças à Lei Federal de Incentivo à Cultura, sob o patrocínio da CBMM e apoio cultural do Itaú. Rafael Nolli explica que a grande novidade do evento foi a participação de escritores independentes.